A Estratégia Tecnológica Chinesa Frente à Competição com os Estados Unidos

A Estratégia Tecnológica Chinesa Frente à Competição com os Estados Unidos

**Semicondutores, Inteligência artificial e Desacoplamento **

15 DE JUNHO DE 2023

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Em outubro do ano passado (2022), os Estados Unidos lançaram uma série de medidas visando ao controle de exportações contendo tecnologias norte-americanas para a China. A controversa medida contraria o discurso de estímulo ao livre-comércio praticado pelas elites do país nas últimas décadas e demonstra a crescente percepção de que Beijing representa cada vez mais um concorrente à altura. As empresas norte-americanas mais afetadas foram a Nvidia Corp. e a Advanced Micro Devices (AMD) que tiveram de reduzir suas exportações de microchips para a China.

Além disso, os EUA lançaram uma nova política industrial, o CHIPS and Science Act, prevendo medidas de estímulo para a capacidade produtiva, pesquisa e desenvolvimento de semicondutores (microchips) em território nacional. O CHIPS and Science Act prevê inicialmente 52.7 bilhões em investimentos. Em seu conjunto, estas medidas demonstram uma preocupação em relocalizar as cadeias produtivas de tecnologias estratégicas para países aliados, como ilustrado pela iniciativa CHIP 4, além de visar conter a expansão tecnológica chinesa.

Os semicondutores são componentes essenciais de setores de alto valor agregado tais como a indústria eletrônica e a indústria automotiva. Além do componente econômico, os semicondutores também possuem importância estratégica pois são utilizados em drones, armas inteligentes, supercomputadores e inteligência artificial (machine learning). Estas tecnologias têm potencial para incrementar os recursos de poder dos Estados, especialmente em um contexto de crescente competição geoeconômica. Ainda assim, e muito antes das medidas norte-americanas, o setor de semicondutores já representava um ponto de vulnerabilidade para a China, sendo que o país vem investindo altas somas para o desenvolvimento do setor desde os anos 1980, com poucos resultados concretos.[1]

A cadeia de valor dos semicondutores pode ser, assim, dividida entre: 1) design; 2) materiais e ultra-litografia; 3) fabricação; 4) testagem e empacotamento. As etapas de design, ultra-litografia e fabricação possuem maior valor agregado. Atualmente, empresas norte-americanas dominam a etapa de design, com participação do Reino Unido e da Alemanha. No que tange a parte de materiais e suprimentos, o Japão possui a maior participação e as máquinas de ultra-litografia são produzidas quase inteiramente pela holandesa ASML.[2] No que se refere à fabricação, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) representa mais de 60% do mercado global, seguida pela coreana Samsung.

A China realizou avanços recentemente em sua capacidade de fabricação, mas sobretudo em chips mais antigos, com 16 nm e maiores, em contraste com chips de 3 nm produzidos por Taiwan.[3] A área de menor valor agregado, testagem e empacotamento, é a única na qual a China apresenta maior sucesso, apesar da implementação de duas fases do China Integrated Circuitry Industry Investment Fund, uma iniciativa de política industrial, que destinou 21 bilhões de dólares e 29 bilhões de dólares para o setor em 2014 e 2021, respectivamente. As empresas chinesas SMIC e HiSilicon (subsidiária da gigante Huawei) foram as que mais progrediram, embora a HiSilicon tenha sido altamente afetada pelos controles de exportação impostos pelos Estados Unidos. As decisões do Japão e da Holanda em se unirem ao controle de exportações com tecnologias sensíveis para China coloca ainda mais pressão sobre Beijing.[4]

Ainda assim, e apesar deste contexto de dificuldades, o aprimoramento tecnológico da China não será totalmente impedido, podendo, no entanto, o processo ser mais lento no médio e longo prazos. O setor de inteligência artificial (IA) exemplifica esta conjuntura. Embora os semicondutores sejam necessários para avançar os processos de machine learning em supercomputadores que geram softwares na área de IA, a China tem conseguido avançar obtendo chips mais antigos de fornecedoras como a Nvidia e a AMD. Apesar das tensões geopolíticas, essas empresas encontraram maneiras de fazer valer o seu interesse em acessar a robusta demanda do mercado chines.

No que diz respeito ao processamento de dados, o custo e tempo para o treinamento de ferramentas de IA na China é aproximadamente o dobro do que nos Estados Unidos, devido aos diferentes níveis de acesso a tecnologia de ponta. Porém, e ainda segundo a Reuters, empresas como a Baidu e a Tencent vêm criando maneiras de contornar esse processo com novos algoritmos, mesmo que seja necessário despender mais recursos. Especialistas estimam que essas barreiras deverão ser vencidas nos próximos dez anos.

Em algumas áreas da IA os resultados obtidos foram notáveis. O país realizou consideráveis avanços no processamento e reconhecimento de linguagem, reconhecimento visual (incluindo reconhecimento facial, que é muito controverso dadas as considerações de privacidade). Isso se reflete no sucesso de empresas chinesas, como iFlytek em reconhecimento de fala e Megvii e SenseTime em reconhecimento facial. Os resultados positivos são evidenciados por aumentos nos registros de patentes e pesquisas de IA na China. O país tem mais citações de IA do que os EUA e mais pedidos de patentes na categoria de deep learning. No entanto, os EUA ainda tiveram mais patentes concedidas de modo geral em 2021, seguido pelo Japão.[5]

Um exemplo dos avanços chineses nesta área reside nos modelos de linguagem. O modelo de linguagem Chat GPT, criado pela Open AI, ganhou notoriedade mundo afora pelo seu potencial de impacto sobre o mundo do trabalho e dos negócios de modo geral. Empresas e centros de pesquisa na China vêm desenvolvendo suas próprias versões do Chat GPT. É difícil avaliar o estado de desenvolvimento dos projetos nesta área, mas alguns dos exemplos de sucesso incluem o ERNIE Bot desenvolvido pela Baidu; o WuDao 2.0 realizado pela Beijing Academy of AI e o Tongyi Qianwen, criado pela Alibaba.[6]

Políticas de Estado para o desenvolvimento econômico, como a Made in China 2025 e o 14 Plano Quinquenal, vêm enfatizando conceitos como auto-suficiência e desenvolvimento endógeno de tecnologia. Tendo em vista a posição norte-americana delineada anteriormente, especialistas questionam-se sobre a possibilidade de desacoplamento - situação na qual seriam produzidos dois sistemas paralelos de comércio e influência, divididos entre os Estados Unidos e a China.

Realizar previsões não é uma tarefa simples, porém, as evidências sobre a interconexão de diversos países em cadeias de valor indica que a possibilidade de desacoplamento no curto e médio prazo são baixas nos setores de maior complexidade e valor agregado. Nenhum país é capaz de produzir todos os bens de alta tecnologia sozinho. Entretanto, a tendência observada atualmente é a de que questões relativas à segurança nacional e interesses de Estado podem acabar suplantando cálculos de racionalidade econômico-produtiva. Em outros termos: quanto mais tempo perdurar a disputa tecnológica, maior será a perda de eficiência produtiva e os custos deste tipo de produto tendem a aumentar.

Referências

  1. Douglas Fuller, Paper Tigers, Hidden Dragons: firms and the political economy of China’s economic development (Reino Unido: Oxford University Press, 2016).
  2. Miller, Chris (2022). Chip Wars: the fight for the World’s most critical technology. United States: Scribner Book Company.
  3. Seamus Grimes e Debin Du, “China's emerging role in the global semiconductor value chain,” Telecommunications Policy 46, nº 2 (2022); Douglas Fuller, “Growth, Upgrading, and Limited Catch-Up in China’s Semiconductor Industry,” em Policy, Regulation and Innovation in China's Electricity and Telecom Industries, ed. Loren Brandt e Thomas G. Rawski (Cambridge University Press, 2019), 262-303.
  4. Gregory C. Allen, et.al., “Japan and the Netherlands Announce Plans for New Export Controls on Semiconductor Equipment,” Center for Strategic and International Studies (10 Março 2023) https://www.csis.org/analysis/japan-and-netherlands-announce-plans-new-export-controls-semiconductor-equipment
  5. Graham Allison, et al., “The Great Tech Rivalry: China vs the U.S.,” Belfer Center for International Studies (Dezembro 2021) https://www.belfercenter.org/sites/default/files/GreatTechRivalry_ChinavsUS_211207.pdf
  6. Rebecca Arcesati e Wendy Chang, “China outpaces Europe in regulating generative AI – on CCP terms,” Mercator Institute for China Studies (2 Maio 2023) https://merics.org/en/comment/china-outpaces-europe-regulating-generative-ai-ccp-terms

Editado por

Luana Margarete Geiger
Luana Geiger

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