Wang Hong-zen é professor do Departamento de Sociologia da Universidade Nacional Sun Yat-sen (Kaohsiung, Taiwan). Ele possui diversas publicações relacionadas a casamentos transfronteiriços, relações industriais no Vietnam e, mais recentemente, relacionamentos gays e lésbicos em Taiwan. O Prof. Wang foi presidente da Associação Taiwanesa de Sociologia (2015-2016), e, durante esse período, lançou um site de ciência popular, “Taiwan Streetcorner”, para disseminar conhecimento sobre Sociologia. Ele casou-se com seu parceiro em 24 de maio de 2019, mesmo dia em que a lei de igualdade matrimonial passou a valer em Taiwan.
Pedro Steenhagen. Em 2019, Taiwan foi o primeiro lugar da Ásia que legalizou o casamento homoafetivo, uma importante conquista para a população LGBTQIA+. Quais são os principais desafios sociais e jurídicos que ela ainda enfrenta atualmente? Como o governo e organizações da sociedade civil interagem para construir uma sociedade mais diversa e inclusiva?
Prof. Wang. O povo taiwanês tem orgulho de ter sido o primeiro a legalizar o casamento homoafetivo na Ásia, apesar de ter havido uma pressão social conservadora tremenda para evitar a aprovação da lei de igualdade matrimonial em 2019. Essa é uma lei especial que difere dos códigos civis que regulam o casamento heterossexual. Dessa forma, casais do mesmo sexo possuem direitos inferiores àqueles de heterossexuais, já que eles não têm o direito de adotar uma criança, de utilizar tecnologia reprodutiva para ter filhos e de ter reuniões familiares com parceiros estrangeiros, se seus companheiros viverem em um país que não reconheça oficialmente o casamento homoafetivo.
Nesse contexto, grupos de advocacy têm tentado promover estratégias de lobby no Parlamento para resolver essas limitações legais enfrentadas pela comunidadeLGBTQIA+; contudo, grupos sociais conservadores, majoritariamente advindos de círculos religiosos apoiados por congregações norte-americanas, têm mobilizado recursos para bloquear leis favoráveis à comunidade LGBTQIA+. Ademais, movimentos LGBTQIA+ ainda enfrentam diferentes ataques de várias forças conservadoras, tanto internas quanto externas. Por exemplo, além da influência de grupos cristãos norte-americanos, em 2018, todas as propostas de referendo anti-gay foram lançadas pelo Kuomintang (KMT), e elas acabaram dividindo a sociedade. Felizmente, o partido no poder, o Partido Progressista Democrático (DPP), é mais amigável à pauta LGBTQIA+, o que facilita para os grupos de advocacy conseguirem trabalhar com seus representantes.
Pedro Steenhagen. Em Taiwan, tradicionalmente, o contrato de casamento é mandatório, e o matchmaking, apesar de lucrativo, é proibido sob certas circunstâncias. O contrato de casamento também é válido legalmente para casamentos homoafetivos? Há serviços de matchmaking para a comunidade LGBTQIA+?
Prof. Wang. Os serviços de matchmaking apenas são proibidos em casos de casamentos transfronteiriços, mas não naqueles locais. Além disso, pessoas de todas as idades em Taiwan têm usado aplicativos populares, como Grindr, Jake'D e Tinder, ou sistemas de quadro de avisos eletrônico (BBS), como Dcard, para conhecer potenciais parceiros. Sobre os contratos de casamento, é sempre compulsório assinar um desses; entretanto, antes de 23 de maio de 2008, não era necessário ir ao Departamento de Assuntos Internos para registrar e validar o casamento, algo que se tornou obrigatório desde então. Esse regulamento aplica-se a todos, independentemente de seu gênero ou de sua orientação sexual.
Pedro Steenhagen. Em 2016, Audrey Tang (唐鳳) tornou-se ministra digital de Taiwan, o que fez dela a mais nova, a primeira transgênero e a primeira ministra não binária da história. Como isso impactou a agenda LGBTQIA+ em Taiwan? Qual é o nível de reconhecimento social de pessoas não binárias?
Prof. Wang. A nomeação da Ministra Audrey Tang (唐鳳) é muito encorajadora e reforça a amicabilidade do DPP quanto a questões LGBTQIA+. Essa ação política é amplamente apoiada pela sociedade taiwanesa. Uma pesquisa conduzida pelo Instituto de Sociologia, Academia Sinica (“Pesquisa sobre Mudança Social em Taiwan”) mostra que o apoio social ao casamento homoafetivo tem crescido continuamente nas últimas décadas, passando de 13% em 1991 para 33% em 2009,58% em 2012 e 59% em 2015, o ano anterior da nomeação da Ministra Tang.
A percepção sobre o gênero não binário na sociedade local é tradicionalmente inclusiva. Uma famosa cantora transgênero de língua taiwanesa (Taiyu), Fei Tang (唐飛), é muito popular entre pessoas de gerações anteriores. Ela lançou mais de 100 álbuns, e, no YouTube, é possível verificar o quão popular sua música é; por exemplo, “Love at Port Taisi” (癡情台西港) tem mais de 10 milhões de visualizações. A ideologia de gênero binário é uma forma de conhecer o mundo social da população taiwanesa ordinária, mas, na prática, não é um enquadramento fixo. Pode-se dizer que algumas congregações cristãs estão utilizando seu poder econômico e político para tentar mobilizar a ideologia de sexo/gênero binário, uma situação que gera muitas tensões na sociedade taiwanesa.
Pedro Steenhagen. A visibilidade de pessoas LGBTQIA+ nos livros, nos filmes e nas séries de TV disparou na última década em muitas partes do mundo, inclusive emTaiwan. Apesar disso, ainda há muito a se fazer. Há incentivos para a indústria cultural adotar iniciativas de diversidade e inclusão? O que a comunidade LGBTQIA+ pode esperar nos próximos anos, em termos de expansão de representatividade e igualdade?
Prof. Wang. Ao longo da última década, foram publicadas muitas obras literárias lidando com a temática LGBTQIA+ [ver: CHI, Ta-wei. A Queer Invention in Taiwan: A History of Tongzhi Literatue. Taipei: Lianjing Publishing Co. 2017], e elas ainda estão prosperando hoje em dia. Adicionalmente, em tempos recentes, diversidade e inclusão tornaram-se tópicos populares na indústria do cinema, cobrindo aspectos como indígenas, deficiências, educação, movimentos sociais, transgêneros e a indústria do sexo.
O filme "Seu Nome Gravado em Mim" (刻在你心底的名字), que estreou em 2020, foi enaltecido pela revista TIME como "O Filme LGBTQ de Maior Bilheteria do Cinemade Taiwan de Todos os Tempos", o que comprova, para a indústria do cinema, que temáticas LGBTQIA+ podem ser muito lucrativas e, ao mesmo tempo, ter um propósito social e ajudar na promoção de mais direitos LGBTQIA+. Apesar de a indústria do cinema de Taiwan não contar com grandes capacidades financeiras, sua liberdade de expressão a torna única na Ásia, já que consegue explorar diferentes questões como uma espécie de experimento. A Parada do Orgulho de Taipei tornou-se o maior evento LGBTQIA+ do Leste Asiático, e é muito provável que a indústria cultural desenvolvida aqui exporte seu orgulho para outros lugares da Ásia.
Entrevista conduzida por: Pedro Steenhagen Data da publicação: 28 de junho de 2021
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