A inovação tecnológica é um fator determinante para a distribuição de poder entre os países. A produção de semicondutores, ou chips, torna-se, assim, fundamental. Os semicondutores são o quarto produto mais comercializado no mundo, atrás apenas do petróleo bruto, petróleo refinado e automóveis. [1] A escassez generalizada de semicondutores que teve início em 2020 demonstrou a indispensabilidade destes produtos para a economia global. A acelerada competição pelo controle da cadeia de produção dos mesmos, e a garantia de suprimento deve pautar as tendências geopolíticas durante as próximas décadas. Consequentemente, a rivalidade multidimensional entre a China e os Estados Unidos pode vir a ser decidida pelo poder computacional, e portanto, pela supremacia na produção de semicondutores com tecnologia mais avançada. [2] Neste contexto, o Brasil deve avaliar de que forma os interesses econômicos do país serão melhor representados, nomeadamente com o desenvolvimento de tecnologia própria e inserção na cadeia produtiva do setor.
A cadeia de valor da indústria de semicondutores apresenta características específicas e enraizadas na divisão internacional do trabalho que permitiu altos níveis de eficiência econômica e inovação, além de gerar profunda interdependência em um ecossistema altamente especializado e complexo. [3] Ainda assim, alguns atores internacionais participam de forma indispensável nesta cadeia de valor: Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, União Europeia, China continental e Taiwan. Nenhum destes, no entanto, possui o processo completo com todas as etapas de produção concentradas em seu território nacional.
O processo de produção de semicondutores pode ser dividido em etapas principais. A cadeia de produção de chips é altamente especializada, integrada e interdependente, sendo que a adição de valor é geograficamente concentrada, conforme as vantagens comparativas de cada região. Atualmente, os Estados Unidos lideram as atividades de pesquisa, desenvolvimento e design; a China continental lidera o processo de montagem, embalagem e testagem; e países do Leste Asiático lideram a fabricação de wafers. [4]
A estrutura global da cadeia de fornecimento de semicondutores foi desenvolvida ao longo das últimas três décadas e permitiu que a indústria realizasse saltos contínuos em termos de diminuição dos custos de produção e melhorias na performance, o que possibilitou a explosão em tecnologia da informação e serviços digitais. Com a emergência de novos fatores geopolíticos, o modelo global do qual a produção de semicondutores se beneficiou está em risco. Para lidar com este tipo de vulnerabilidade, as grandes potências colocam em prática uma combinação de políticas voltadas a encorajar a produção doméstica, ou em territórios aliados, de forma a gerenciar lacunas estratégicas. [5]
Com debates sobre os limites do desacoplamento, a competição pela liderança da fronteira tecnológica deve marcar as dinâmicas geoeconômicas globais nas próximas décadas. A tecnologia representa o ponto mais estratégico de questões mais amplas. A busca pela manutenção da liderança por parte de Washington, no sistema internacional, e a emergência de polos alternativos liderados pela China, que aos poucos diminui as lacunas existentes em termos econômicos, financeiros, científicos, militares e, também, tecnológicos naturalmente se reflete na tecnologia. De longa resolução, a competição tecnológica irá impactar de forma significativa a economia global e o equilíbrio de poder entre Estados Unidos e China, com efeitos profundos para o Brasil.
Longe de figurar entre os principais players globais, embora seja um grande produtor de recursos utilizados como matéria-prima na produção de chips, como o silício e o cobre, o Brasil não possui aparato industrial significativo no processo de fabricação do setor. [6] Mas, ainda assim, identificado o seu caráter estratégico, o governo brasileiro buscou incentivar o renascimento do setor a partir dos anos 2000, e, como resultado, o país apresenta uma indústria embrionária de semicondutores, com mais de quarenta instituições atuando em todas as etapas da cadeia de valor e ofertando componentes semicondutores em diferentes segmentos e para diversas aplicações. O surgimento de muitas dessas empresas está vinculado à políticas públicas como o Programa CI-Brasil, o Padis e o PPB.
Em 2022, o governo brasileiro lançou o Plano Brasil de Semicondutores, com o objetivo de aumentar a participação do país no mercado global de chips de 2% para 4% até 2040. O plano prevê investimentos em pesquisa e desenvolvimento, a atração de investimentos externos e a qualificação da força de trabalho local. Avanços relevantes nesta área, no entanto, dependem de investimentos robustos e contínuos. Além do Plano Brasil de Semicondutores, o país busca outras iniciativas para fortalecer a sua posição no mercado global de semicondutores, onde o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação manifestou interesse em impulsionar a produção microeletrônica nacional.
Os Estados Unidos têm sinalizado o interesse em promover investimentos na cadeia produtiva do setor no Brasil. O país passa a vislumbrar oportunidades para obter benefícios da estratégia norte-americana - conhecida como nearshoring - que busca deslocar as etapas de agregação de valor da indústria de semicondutores para áreas geograficamente mais próximas de seu território e, portanto, menos suscetíveis a vulnerabilidades. Eventuais investimentos dos Estados Unidos, no entanto, viriam carregados de restrições ao relacionamento econômico com a China, uma vez que as empresas que recebem fundos norte-americanos não podem participar de negócios que envolvam a produção de semicondutores mais complexos na China. [7]
No entanto, a cooperação tecnológica foi uma das pautas centrais do encontro entre os líderes Lula e Xi Jinping, que ocorreu em abril de 2023, em Beijing. Na ocasião, foram firmados 15 acordos bilaterais. Destaca-se as propostas de construção de um sexto satélite para monitoramento da Amazônia e de desenvolvimento de tecnologias voltadas ao 5G e segurança cibernética. Enquanto os Estados Unidos optaram por banir o uso de produtos chineses no setor de telecomunicações, o Brasil adota uma abordagem própria, buscando atrair investimentos de grandes empresas chinesas, como a Huawei. Na opinião do assessor de política externa do governo, Celso Amorim, o Brasil não deve se opor à construção de uma fábrica chinesa de chips em território brasileiro, com o objetivo de desenvolver a tecnologia no país em colaboração com a China.
Com investimentos e transferência de tecnologia, o Ministério do Desenvolvimento avalia ser possível que as fábricas já estabelecidas no país expandam as suas atividades para o segmento de chips menos avançados, como aqueles de 14 nanômetros. Dessa forma, seria possível abastecer parcialmente a indústria automobilística brasileira em um prazo médio de 10 a 15 anos.
Diante do atual contexto de polarização no campo da inovação tecnológica, é imperativo que o Brasil avalie de que forma os seus interesses econômicos são afetados e adote uma posição clara e estratégica em relação à sua participação nas cadeias de valor do setor. É possível buscar opções que sejam compatíveis com a tradição diplomática do país, firmando parcerias internacionais equilibradas e, assim, estimular o desenvolvimento de tecnologias próprias, garantindo que a indústria receba o tratamento prioritário que requer.
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