A 4 de abril de 2002, foram finalmente cessadas as hostilidades que mergulharam Angola numa guerra civil que perdurou por vinte e sete anos, desde a sua independência em 1975. Essa guerra gerou meio milhão de mortos e quatro milhões de refugiados.[1] Foi então, no ano de 2002, que se assinaram os acordos de Luena, na província do Moxico, entre o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA). Depois da guerra civil, a estrutura econômica de Angola se encontrava deteriorada, com os meios de produção altamente comprometidos e sem serviços e bens públicos essenciais para os angolanos. Destacam-se a destruição de hospitais, escolas, estradas e pontes, aeroportos e portos, e vias de telecomunicações – todos extremamente importantes para sustentar o desenvolvimento nacional.
Em 2003, já no pós-guerra, Angola solicitou diversos empréstimos para que o desenvolvimento pudesse dar o seu pontapé inicial, mas teve o pedido negado por muitos países e organizações. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional justificaram a recusa alegando falta de transparência e boa governação.[2] O Banco Mundial ainda reforçou a fragilidade política e econômica, sendo a China, então, o único país (ou entidade) a conceder empréstimos.[3] Foram diversos os países com situação similar à angolana no continente africano que receberam investimento chinês com resultados satisfatórios, como a República Democrática do Congo, por exemplo. África é hoje, consequentemente, o maior destino de investimentos público-privados da China, contando com um apoio estrutural oriundo do período de abertura econômica chinês.[4]
As relações entre a China e Angola, no entanto, não começaram com o fim da guerra civil em Angola. Historicamente, a China e o continente africano têm laços antigos, e a presença chinesa no continente não é uma mera novidade. As expedições realizadas pelo almirante Zheng He (1371-1433), de Yunnan, na dinastia Ming, levaram-no à Costa Oriental Africana, mais concretamente a Mogadíscio, Mombaça e em Pemba. Por outro lado, tanto a China como Angola passaram pela dominação estrangeira de Portugal – que no caso chinês aconteceu no território de Macau, transformada pelos portugueses em semicolônia.
Já no século 20, e particularmente no período maoísta (1949-1977), as relações entre a China e o continente africano se deram em várias frentes. A China se engajou na luta de libertação africana, a partir das organizações multilaterais como a Organização para a Solidariedade dos povos Africanos e Asiáticos (OSPAA, 1954-1961) e da Conferência de Bandung. A China também apoiou diretamente alguns movimentos de libertação que surgiram a partir de 1950, especificamente aqueles de orientação marxista e anti-imperialista, presentes na Argélia, Egito, Moçambique, Angola, Tanzânia, Congo-Brazzaville, entre outros.[5] No caso angolano, a China apoiou inicialmente a FNLA, Frente Nacional de Libertação de Angola, continuando depois com o MPLA, Movimento Popular de Libertação de Angola, tendo inclusive fornecido armamentos, logística e treinamentos táticos.[6] Por outro lado, o apoio de alguns países africanos, como Argélia, Tanzânia e Guiné-Conacri, ao reconhecimento da República Popular da China nas Nações Unidas foi particularmente importante.
Depois das lutas pela independência, tal como na China, Angola passou então pela guerra civil, de cunho ideológico, terminando em ambos os casos com a proclamação de uma república socialista-marxista. Nesse período, o engajamento da China com Angola foi relativamente superficial – especialmente em comparação à União Soviética, que participou com suporte ao envolvimento direto de forças cubanas, sul-africanas e zairenses. [7]
Adicionalmente, com a ruptura sino-soviética nos finais dos anos 1950, as relações entre o MPLA – apoiado fortemente pela União Soviética – e a China tornaram-se ainda mais limitadas. O restabelecimento oficial deu-se então em 1984. Nessa ocasião, os diplomatas que encabeçaram o processo foram Zhao Zhenkui e Bernardo de Sousa, que reformularam significativamente as relações entre ambos os países, passando de questões de defesa para uma cooperação econômica e de desenvolvimento estrutural da economia.[8] Em 1990 Angola já figurava, assim, como importante parceiro comercial da China em África, atrás apenas da África do Sul e de outros poucos países.[9]
Em 2004, o Eximbank da China (Zhongguo Jinchukou Yinhang) ofereceu dois bilhões de dólares em empréstimos, em troca de petróleo, a fim de reerguer infraestruturas por todo o país.[10] Angola foi então apelidada de verdadeiro “canteiro de obras”, gerando milhares de empregos para os jovens e incentivando o regresso de angolanos, muitos refugiados das guerras anteriores, e que hoje se encontram reintegrados como plenos cidadãos.[11] Em 2008, apesar da crise financeira global, o governo chinês, através do aval do presidente Hu Jintao e do primeiro-ministro Jiabao, lançou um pacote fiscal para cobrir os efeitos da crise, sobretudo das empresas estatais, com enormes projetos em África e no continente asiático.[12] Entre essas obras consta a “cidade-fantasma” do Kilamba Kiaxi 2008, pela chinesa CITIC Construction (Zhongguo Guoji Xintuo Touzi Gongsi). Sob a responsabilidade do Gabinete de Reconstrução Nacional, esse caso tornou-se o maior projeto habitacional construído pela China no continente africano, sendo constituído por cerca de oitocentos edifícios e com enormes comodidades e infraestrutura.[13]
Entre outras infraestruturas se encontram, a saber, o Porto do Lobito, os Caminhos de Ferro do Namibe, o novo Aeroporto Internacional de Luanda, e os estádios e hotéis que serviram ao Campeonato Africano das Nações em 2010. Além disso, a empresa estatal angolana do ramo petrolífero Sonangol abriu filiais na China, especificamente em Hong Kong, sob o nome China Sonangol, e com filiais também em Singapura. Já em 2018, Angola destinava 54% do seu petróleo bruto à China – com o segundo maior cliente, os EUA, a usufruir de apenas 23.8%.[14] Angola torna-se assim um dos maiores eixos de segurança energética para os chineses na África Subsaariana, e está entre os cinco principais exportadores de hidrocarbonetos para a China, juntamente com Irã, Arábia Saudita, Iraque e Rússia.[15] A China hoje tem diversos projetos na área da educação e saúde, nomeadamente com a prestação de serviços de saúde de médicos chineses ao hospital geral de Luanda, bem como a concessão de bolsas de estudo para intercâmbio entre os países. A acrescentar, já em 2009 a diáspora chinesa em Angola chegou à marca de 53.000 pessoas, e mais recentemente foi concluída a construção da Cidade da China, uma espécie de “Chinatown” em Luanda. Angola também conta com vários institutos que ensinam mandarim e promovem a cultura chinesa.
Por fim, desde o restabelecimento em 1984, visitas oficiais têm sido trocadas entre os mais altos dignitários dos dois países e também dos dois partidos, o MPLA e o Partido Comunista da China. Em 2010, na posição de vice-presidente, Xi Jinping visitou Angola, mantendo encontros com o presidente José Eduardo dos Santos. Além disso, visitaram a China João Lourenço, como secretário-geral do MPLA, e o grande nacionalista do MPLA Lopo do Nascimento, também no mesmo cargo. Essas visitas não só reforçaram os acordos bilaterais, mas demonstraram uma verdadeira e consolidada relação nos mais diversos níveis e domínios, partidários, governamentais e empresariais.
Em suma, as relações sino-angolanas passaram por um período de assimetria, tendo a China hoje uma responsabilidade enorme e um desafio para com o desenvolvimento de Angola. A partir da exploração do petróleo cru, que é até hoje a sua maior fonte de receitas, Angola vem fortalecendo as relações de cooperação com a China e atualmente é o seu principal parceiro. Em 2021, Angola foi classificada entre os cinco mais importantes parceiros econômicos da China no continente africano, ao lado do Egito, Nigéria, República Democrática do Congo e África do Sul, tendo somado 23 bilhões de dólares e correspondendo a 9% de todo o comércio no continente. Por outro lado, as relações evoluíram substancialmente para outras agendas políticas, econômicas, diplomáticas e culturais. A exemplo disso, vemos hoje a exportação de tecnologia verde, bem como fontes de energia renováveis, por parte da China. Outras áreas que figuram atualmente nas relações sino-angolanas são a agricultura, o mercado de capitais e a indústria de bens e serviços, restando-nos continuar atentos ao futuro desenvolvimento na relação entre os dois países.
[1] Philippe Billon, “Angola’s Political Economy of War: The Role of Oil and Diamonds, 1975-2000,” African Affairs 100, no. 398 (Janeiro 2001), 1-27; Justin Pearce, A Guerra Civil em Angola, 1975-2002 (Lisboa: Tinta da China, 2017). [2] Alice Marinela Ganga, A geopolítica do petróleo angolano e sua inserção na relação sino-angolana, 2019, 131 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais) – Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa, 2019. https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/4464/1/A%20diss%20alice%20G..pdf. [3] Indira Campos and Alex Vines, “Angola and China: A pragmatic Partnership,” Center for Strategic and International Studies, Março 6, 2008, 3. https://www.csis.org/analysis/angola-and-china-pragmatic-partnership. [4] Deborah Brautigam, The Dragon's Gift: The Real story of China in Africa (Nova Iorque: Oxford University Press, 2009). [5] Alaba Ogunsanwo, “The Background to Chinese Policy,” em China’s Policy in Africa (Cambridge: Cambridge University Press, 1974), cap. 1, 1-15. [6] Steven F. Jackson, “China’s Third World Foreign Policy: the case of Angola and Mozambique 1961-93,” The China Quarterly 142 (Junho 1995): 1-36. https://www.jstor.org/stable/655421. [7] Richard H. Immerman and Petra Goedde, The Oxford Handbook of the Cold War. Front Cover (Oxford: Oxford University Press, 2013), 276. [8] Campos and Vines, “Angola,” 5. [9] Campos and Vines, “Angola,” 8. [10] Campos and Vines, “Angola,” 3. [11] Deborah Brautigam, “A critical look at Chinese ‘debt-trap diplomacy’: the rise of a meme,” Area Development and Policy 5, no. 1 (Dezembro 6, 2019): 1-14. https://doi.org/10.1080/23792949.2019.1689828. [12] Justin Yifu Lin, Demystifying the Chinese Economy (Cambridge: Cambridge University Press, 2012). [13] Allan Cain, “Housing for Whom?: Rebuilding Angola´s cities after conflict and who gets left behind,” Center for Strategic and International Studies, Dezembro 8, 2020, Routledge Studies in Cities and Development, 1-26. https://www.researchgate.net/publication/347117638_Housing_for_whom_Rebuilding_Angola's_cities_after_conflict_and_who_gets_left_behind. [14] Liviu Stelian Begu et al. “China-Angola Investment Model. Innovation and Sustainability in a Turbulent Economic Environment,” Selected Papers from the 12th International Conference on Business Excellence, Agosto 14, 2018, 1-14. https://www.mdpi.com/2071-1050/10/8/2936/htm. [15] Begu, “China-Angola,” 1-14.
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