Pu Xiaoyu (蒲晓宇) é Professor Associado de Ciência Política na Universidade de Nevada, Reno. Ele é membro do Programa de Intelectuais Públicos no Comitê Nacional de Relações EUA-China (NCUSCR). Anteriormente, foi membro sênior não residente do Inter-American Dialogue, Stanton Fellow da Fundação Getulio Vargas (FGV) e Pós-Doutor Associado do Programa China e o Mundo de Princeton-Harvard. Dr. Pu é o autor de "Rebranding China: Contested Status Signaling in the Changing Global Order'' (Stanford University Press, 2019). Possui Doutorado pela Universidade do Estado de Ohio.
Pedro Steenhagen. Desde a fundação da República Popular da China e, em particular, o lançamento das suas políticas de reforma e abertura, a política externa do país tornou-se mais assertiva. É seguro dizer, por exemplo, que o presidente Xi Jinping se afastou da postura de baixo perfil de Deng Xiaoping nos assuntos globais, mas isso não significa que a política externa chinesa foi completamente reformulada. O que permaneceu e o que mudou na abordagem da China à política internacional nos últimos 40 anos?
Prof. Pu Xiaoyu. Em comparação aos seus predecessores, como Jiang Zemin e Hu Jintao, Xi Jinping certamente conduz uma política externa muito mais ativa e assertiva. No entanto, ainda há muita continuidade na política externa de Xi Jinping.
Em primeiro lugar, a China ainda deseja manter um ambiente internacional amplamente pacífico para seu crescimento doméstico. Portanto, a confiança ainda é um componente necessário da sinalização diplomática da China. Em segundo lugar, a China tem múltiplas identidades, sendo tanto uma grande potência em ascensão quanto um grande país em desenvolvimento – a China não abandonará sua identidade de país em desenvolvimento tão cedo. Por fim, a política interna é um fator determinante da política externa chinesa.
A política externa chinesa mudou em vários aspectos. Primeiro, a China se tornou mais ativa e assertiva no cenário internacional. Deve-se notar que Hu Jintao já enfatizava a necessidade de a China desempenhar um papel mais ativo internacionalmente, ou seja, uma mudança mais incremental do que revolucionária. Em segundo lugar, apesar de a China não ter mudado suas reivindicações gerais em questões controversas, ela aumentou sua capacidade para defendê-las. Finalmente, à medida que Xi aperta o controle político doméstico, diplomatas e autoridades chinesas devem cada vez mais seguir a linha do Partido de maneira rígida e estrita. Dessa forma, de uma perspectiva internacional, a política externa da China tende a tornar-se menos flexível do que antes.
Uma China mais assertiva traz desafios e oportunidades para a comunidade internacional. Muitos países consideram mais difícil lidar com a China em uma nova era, e a assertividade da China contribuiu parcialmente para o aumento de fricções e tensões com alguns países. No entanto, conforme a política externa da China se torna mais ativa globalmente, o país pode estar mais disposto a compartilhar maiores responsabilidades para lidar com desafios comuns, como não proliferações e mudanças climáticas.
Pedro Steenhagen. Em muitas ocasiões, os líderes chineses utilizam expressões importantes para transmitir suas ideias e abordar as políticas doméstica e internacional. Hu Jintao, por exemplo, falava de uma “sociedade harmoniosa” e de um “mundo harmonioso”; atualmente Xi Jinping fala de “rejuvenescimento da nação”, do “Sonho Chinês”, de construir uma “comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade”. Como os slogans e o pensamento do presidente Xi impactaram as políticas interna e externa da China?
Prof. Pu Xiaoyu. Os slogans de Xi Jinping refletem tanto a continuidade quanto a mudança nas políticas interna e externa da China. De modo geral, os líderes chineses tendem a promover dois tipos de ideias: a nacionalista e a internacionalista. Por exemplo, o "Sonho Chinês", de Xi Jinping, simplesmente representa o rejuvenescimento da nação chinesa. Esse tema nacionalista não é totalmente novo. Na história chinesa moderna, todos os líderes chineses precisam de encontrar um slogan para a mobilização doméstica, e o rejuvenescimento nacional é um tema comum que foi promovido por quase todos os líderes nacionais chineses, desde Sun Yat-sen até Xi Jinping. Em suma, quase todos os líderes chineses desejam promover um slogan no sentido de “Tornar a China Grande Novamente”. A diferença deles é o quão grande é o suficiente e como alcançar a grandeza nacional. A "comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade" de Xi Jinping, em grande parte, reflete o outro lado da história – a ideia internacionalista contínua. Ao enfatizar que a China e o resto do mundo compartilham alguns interesses comuns, o slogan da “comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade” ecoa outro tema contínuo da política externa chinesa.
No que se refere à mudança, os slogans de Xi Jinping intensificam tanto o sentimento nacionalista quanto a orientação internacionalista. Ao destacar o slogan do “Sonho Chinês”, Xi frequentemente enfatiza que a China deveria estar mais disposta a defender seus interesses e honra nacionais. Ao enfatizar que a China faz parte da comunidade global, Xi indica que a China deve contribuir mais para o mundo com bens públicos internacionais.
Pedro Steenhagen. Em seu livro “Rebranding China: Contested Status Signaling in the Changing Global Order”, você menciona que o país tem enviado sinais mistos em sua posição na sociedade internacional. Que papel desempenha a política interna chinesa na definição da estratégia internacional do país em relação a sua imagem? Além disso, em sua opinião, quais são os principais desafios que a China enfrenta para atingir seus interesses nacionais e seus objetivos de política externa, enquanto se articula entre audiências nacionais e internacionais em termos de sinalização de status?
Prof. Pu Xiaoyu. A política interna tem desempenhado um papel crucial na formação da sinalização da política externa da China. Fundamentalmente, o público doméstico é muito mais relevante nos cálculos dos líderes chineses. Em muitas circunstâncias, os líderes chineses tentam promover uma imagem internacional forte e inflexível, mas seu público prioritário é o doméstico. Isso ocorre porque o nacionalismo tem sido um dos principais pilares da legitimidade doméstica do Partido Comunista Chinês.
Essa política externa de orientação doméstica tem apresentado vários desafios para a China. Em primeiro lugar, embora uma imagem internacional forte possa ser atraente para o público doméstico, ela tem prejudicado de forma crescente a imagem internacional do país, especialmente no Ocidente. Diversas pesquisas demonstram que opiniões negativas sobre a China estão aumentando, principalmente em países ocidentais diversos. Em segundo lugar, embora o governo chinês frequentemente envie mensagens para consumo doméstico, essas mensagens também são percebidas por todos os tipos de público internacional. Isso pode gerar reações internacionais contra a China em algumas partes do mundo. Por fim, existem diferenças cada vez maiores entre como a China se enxerga e como os outros países a percebem. Por exemplo, muitos chineses, incluindo as elites, consideram a imagem internacional da China mais positiva do que as percepções correntes em outros países. Essas lacunas de percepção podem contribuir ainda mais para avaliações equivocadas da política externa chinesa e para o aumento das tensões entre a China e alguns países.
Pedro Steenhagen. Você mencionou a existência de uma lacuna significativa entre as percepções da China sobre si mesma e como a sociedade internacional, particularmente os países ocidentais, observa a China. Em contrapartida, o Presidente Xi Jinping afirmou, em várias ocasiões, que o país deve melhorar a forma de transmitir suas histórias ao mundo. Os BRICS podem servir como uma plataforma importante para auxiliar a China nessa empreitada? Em sua opinião, como os BRICS têm respondido aos sinais da China, em especial, o Brasil?
Prof. Pu Xiaoyu. Considerando todas as reações internacionais, a liderança chinesa está tentando mitigar o problema de imagem da China. Por exemplo, Xi Jinping propõe que as autoridades chinesas promovam uma imagem de uma China “confiável, estimável e respeitável". Existem tanto limitações quanto potencialidades relacionadas a isso quando se considera até que ponto a China poderia melhorar sua imagem internacional.
A imagem internacional é fundamentalmente moldada pelos comportamentos e políticas de um país, não por sua propaganda. A imagem internacional também é amplamente moldada por preferências políticas e ideológicas de vários públicos. Algumas questões controversas, como Hong Kong e Xinjiang, são parcialmente impulsionadas pela política interna, tanto na China quanto no Ocidente. Dadas as diferenças políticas entre os dois lados, há limitações nas possibilidades de Beijing conseguir, de fato, melhorar sua imagem no Ocidente.
Dito isso, ainda existem algumas áreas em que Beijing poderia melhorar sua imagem internacional. Primeiro, se Beijing estiver mais disposta a compartilhar responsabilidades internacionais em maior quantidade, sua política externa contribuirá para a imagem positiva do país em algumas partes do mundo. Em segundo lugar, Beijing ainda tem legados positivos no mundo em desenvolvimento. Muitos países, principalmente os emergentes, ainda veem a China como um importante aliado econômico.
A China certamente presta muita atenção aos BRICS. Insatisfeitos com a dominação do Ocidente, quase todos os países da plataforma desejam aumentar suas reivindicações no cenário global. Esse sentimento anti-hegemônico pode ter impulsionado as ações coletivas de cooperação dos BRICS. No entanto, esses países também possuem políticas e preferências distintas. Por exemplo, Índia e China, em muitas circunstâncias, competem com mais frequência do que cooperam. Rússia e China estão cada vez mais fortalecendo sua parceria estratégica para contrabalançar os Estados Unidos, mas não estão construindo nenhuma aliança militar formal.
Brasil e China têm grande potencial de cooperação. Ambos os países têm cada vez mais incrementado seus laços econômicos, já que a China é o maior parceiro comercial do Brasil há mais de 10 anos. Além disso, os dois países não possuem disputas políticas e geopolíticas notáveis. A única ressalva é que a China poderia prestar mais atenção à política interna e à realidade social do Brasil. Tendo em vista que a China aumentou sua presença econômica no Brasil, o tema pode ter sido politicamente polarizado na sociedade brasileira. A China deve estar mais ciente de como suas políticas podem impactar o bem-estar social e econômico de diferentes grupos no Brasil. Apesar desses possíveis desafios, as relações sino-brasileiras podem dispor de oportunidades diversas para progredir ainda mais nos próximos anos.
Entrevista conduzida por: Pedro Steenhagen Tradução de inglês para português feita por: Filipe Porto Data da publicação: 29 de outubro de 2021
The opinions expressed in this article do not reflect the institutional position of Observa China 观中国 and are the sole responsibility of the author.
Subscribe to the bi-weekly newsletter to know everything about those who think and analyze today's China.
© 2024 Observa China 观中国. All rights reserved. Privacy Policy & Terms and Conditions of Use.