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Em 2012, Xi Jinping discursou sobre os interesses da China de rejuvenescimento a partir da necessidade de modernizar efetivamente as forças militares chinesas como parte do Sonho Chinês. [1] De fato, a China tem buscado aumentar seu poder militar com crescentes gastos em defesa, e pelo aprimoramento das suas capacidades militares nas áreas de armamentos de precisão e C4ISR (comando, controle, comunicações, computadores, inteligência, vigilância e reconhecimento). Essas capacidades são essenciais diante das tensões regionais da China em seus mares circundantes e seus receios em relação à atuação ativa dos Estados Unidos na Ásia-Pacífico.
Para compreender a estratégia que visa o aumento e a modernização das capacidades militares chinesas na contemporaneidade, torna-se essencial refletir sobre a estratégia de fusão civil-militar (FCM) (军民融合 Junmin Ronghe). Essa estratégia tem como objetivo impulsionar a inovação em setores-chave e incentivar, consequentemente, o desenvolvimento de tecnologias de uso dual - para fins civis e militares. O termo "militar" na fusão militar-civil se refere à própria força militar e às empresas de armamentos responsáveis pela produção e pesquisa de armas e equipamentos, enquanto o termo "civil" refere-se a entidades não militares, como empresas estatais, empresas privadas, instituições educacionais e institutos de pesquisa. [2]
Em outras palavras, a FCM busca a eliminação das barreiras entre os setores de pesquisa civil e comercial da China, e seus setores militares e industriais de defesa. Trata-se, assim, de uma estratégia de inovação militar-tecnológica com o propósito de conferir à China uma vantagem competitiva no âmbito militar. [3] Do ponto de vista da estratégia chinesa mais geral, a FCM está alinhada, portanto, com a busca de uma modernização militar até 2035, pela construção de uma força militar “world-class” (ou de classe mundial) até 2049, e a criação de “um sistema nacional estratégico integrado”.
Os antecedentes da atual estratégia de FCM remontam ao final do século XX e às tentativas de Deng Xiaoping de identificar sinergias entre o desenvolvimento econômico e a busca pela modernização militar. Inicialmente, essas iniciativas eram tratadas a partir do conceito de integração civil-militar (CMI) (军民结合 Junmin Jiehe). As primeiras tentativas da indústria de defesa chinesa em CMI tiveram como foco retificar problemas econômicos, estruturais e organizacionais ao converter fábricas militares em fábricas de produtos civis. A produção comercial servia para absorver a capacidade excedente do setor de produção de armamentos, proporcionando às empresas de defesa receitas adicionais e, assim, compensar quando necessário o baixo desempenho de seus produtos militares. [4] No entanto, pouco do esforço inicial de conversão realmente beneficiou o complexo militar-industrial chinês, posto que muitas antigas fábricas de armamentos perderam dinheiro na transição para a produção civil.
A abordagem da China ao CMI começou a mudar por volta de meados da década de 1990. Houve uma mudança crucial na política, passando da conversão (ou seja, transformação de fábricas militares para uso civil) para a promoção de sistemas industriais integrados de uso dual capazes de desenvolver e fabricar tanto produtos de defesa quanto militares. A China passou a adotar cada vez mais a estratégia de utilizar tecnologias avançadas e processos de fabricação presentes no setor comercial para impulsionar a pesquisa, desenvolvimento e produção no campo da defesa. Richard Bitzinger (2021), pesquisador Visitante Sênior na S. Rajaratnam School of International Studies (RSIS), argumenta que a China, entre 1997 e 2017, concentrou, em particular, seus esforços no desenvolvimento de tecnologias de uso dual e subsequente aplicação em microeletrônicos, sistemas espaciais, novos materiais, propulsão, mísseis, manufatura assistida por computador e tecnologia da informação avançando, assim, as áreas da eletrônica e tecnologias de informação, construção naval, aviação, satélites e outros. [5]
Esses esforços anteriores criaram o legado e a base para o aprofundamento das políticas de Xi Jinping agora sob o conceito de "fusão militar-civil" (军民融合 Junmin Ronghe). O 18º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, em 2012, apresentou uma proposição de aprofundamento da integração entre os setores militar e civil e, a partir de 2015, algumas medidas foram tomadas para promover essa estratégia, como incentivos fiscais e outros subsídios financeiros ao setor de defesa. [6] Em 2017, o governo chinês estabeleceu o Comitê Central de Desenvolvimento de Fusão Militar-Civil (CMCFDC), em que, para além de Xi Jinping e outras lideranças do Comitê Permanente do Politburo (PSC), mais 23 líderes sêniores do Partido, do Conselho de Estado e do Exército de Libertação Popular (ELP) atuaram como membros. [7] O Plano Especial de Projetos de Fusão Militar-Civil em Ciência e Tecnologia (科技军民融合发展专项规划 Keji Junmin Ronghe Fazhan Zhuanxiang Guihua) divulgado em agosto de 2017, enfatiza, ainda, prioridades de desenvolvimento nas áreas de biologia, inteligência artificial (IA) e outras tecnologias. O uso da IA para atividades como comando e controle, processamento de informações, seleção de alvos e navegação aparenta ser figurativa da relação entre o desenvolvimento e a integração da FCM com o impulso ao avanço tecnológico chinês.
A FCM tornou-se uma estratégia central de inovação militar-tecnológica, especialmente à medida que o ELP transita para a "guerra de automação inteligente" (“intelligentized warfare”), em que há a "operacionalização" da IA e suas tecnologias relacionadas, bem como análise de big data, para aplicações militares. [8] A expansão do ecossistema civil-militar e acadêmico também passa por investimentos estatais direcionados tanto às tradicionais universidades que têm uma longa história de pesquisa para o setor militar, como a outras universidades que criaram novas plataformas de apoio específicas para o efeito. [9] Historicamente, esse complexo civil-militar-acadêmico foi essencial para países como os próprios Estados Unidos. [10]
A FCM também visa integrar a base industrial civil à cadeia de suprimentos do setor militar, incentivando empresas civis a vender diretamente para esse setor, incluindo aquelas sem histórico de envolvimento prévio. Existem informações limitadas sobre o apoio de grandes campeãs de tecnologia chinesas à FCM, mas há alguns indicativos de pesquisas conjuntas entre algumas empresas para fins de defesa e em cooperação com instituições militares. A Baidu e iFlytek contribuíram como co-organizadores para um concurso de máquinas e processamento de linguagem dirigido pelo Departamento de Desenvolvimento de Equipamentos da Comissão Militar Central (CMC.) Outro exemplo é o histórico da Huawei que colaborou nos últimos anos em projetos de pesquisa, inclusive em 5G com a Universidade de Engenharia da Informação da Força de Apoio Estratégico do ELP.
Nota-se que esse esforço de Beijing tem sido percebido pelos Estados Unidos, o que tem intensificado as percepções de ameaça por parte de Washington. Documentos oficiais como o Relatório Militar EUA-China de 2019 já reforçaram que o comitê chinês tinha emitido orientações para alinhar os padrões tecnológicos para projetos conjuntos entre a área de defesa e as áreas civis. [11] Nesse sentido, percepções de ameaças resultaram em ações de perseguição a empresas chinesas no exterior - como a questão da proibição da Huawei em redes e infraestrutura críticas nos Estados Unidos. As preocupações dos Estados Unidos residem na própria experiência histórica de desenvolvimento tecnológico do país, posto que não seria possível pensarmos em tecnologias como a internet e o GPS, por exemplo, sem apontar a importância de um complexo industrial-militar-acadêmico norte-americano e o transbordamento de tecnologias com fins militares para o uso civil e vice versa.
No geral, pode-se afirmar que a estratégia chinesa acompanha um interesse do governo chinês de fortalecimento das capacidades do país, e está fortemente inserida no tempo histórico de Xi por incorporar esforços em inovação tecnológica nas mais diversas áreas. Uma delas sendo a defesa nacional (e internacional). Além disso, a FCM é uma estratégia que reconhece as deficiências chinesas no seu ecossistema militar, tanto no âmbito de aquisição de equipamentos como em pesquisa e desenvolvimento. Afinal, é comum observarmos no debate sobre as disputas por poder na arena internacional que a China logo poderá se tornar a maior economia do mundo, mas que o poder militar de Pequim ainda está aquém de seu crescente status de (super)potência.
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