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Haveria ano mais auspicioso para a Observa China 观中国 lançar a Sinóptica 提纲? Em 2024, comemoram-se não só os 50 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China e o 45º aniversário do relacionamento diplomático entre a República Portuguesa e a nação asiática, mas também o jubileu de prata da retrocessão de Macau para a China. Como não poderia deixar de ser, tanto pela motivação especial que este ano carrega quanto pelo fato de que esta organização tem como um de seus valores a Lusofonia e o Sul Global, a primeira edição da revista traz como tema, justamente, as relações diplomáticas entre a China e a Lusofonia.
Na qualidade de luso-brasileiro e de apaixonado por estudar e trabalhar com China e países de língua portuguesa (PLPs), é uma imensa honra — e uma grande responsabilidade — escrever o editorial da primeiríssima edição da Sinóptica 提纲. Aqui, temos um rico material escrito em português, com toda a sua bela diversidade linguística, e produzido por proeminentes profissionais brasileiros, portugueses e chineses — esperamos incluir autores de mais PLPs nos próximos volumes. Assim, oferecemos aos leitores, além deste editorial, op-eds, artigos temáticos, artigos variados e entrevistas que contribuem para o avanço de debates relevantes e atuais.
Sem surpresa alguma, a maioria dos artigos temáticos tratou Macau como plataforma emblemática e fundamental na ponte entre a China e os PLPs. O que é surpreendente, aí sim, é o fato de o Brasil, maior país de língua portuguesa do mundo, não valorizar mais essa conexão que tem com a China, conexão essa que é única em todo o continente americano. É sobre esse assunto, tão fascinante e necessário, apesar de relativamente pouco abordado, que vou me debruçar nos próximos parágrafos.
Por meio da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), a China possui uma conexão histórico-cultural de grande valor com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e, consequentemente, com nações que vão desde a América (Brasil) e a África (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe) até a Europa (Portugal) e a Ásia (Timor-Leste). Não é pouca coisa: são mais de 260 milhões de pessoas espalhadas por quatro continentes e falantes da quarta língua materna mais utilizada no planeta, com Estados presentes em regiões geopoliticamente estratégicas — como no Atlântico Sul e em pontos de conexão da Rota da Seda Marítima do Século XXI — e inseridos em grupamentos regionais de impacto — como o Mercosul, a União Europeia, a União Africana e os BRICS. Essa base histórico-cultural lusófona poderia ser aproveitada em outras frentes, expandindo a agenda dos atores envolvidos e fortalecendo colaborações estratégicas. A China já percebeu a oportunidade.
Não à toa, o ensino do português e a conexão com os PLPs têm recebido crescente atenção no país asiático. Atualmente, mais de 55 institutos de ensino superior da China continental e de Macau lecionam o idioma a mais de 6.300 estudantes. [1] Na Área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, busca-se diversificar a economia macaense, atrair novos investimentos e tornar a região um imenso hub internacional, com fortes indústrias tecnológicas, financeiras e culturais.
Para PLPs, além do tradicional Fórum Macau — criado em 2003 não só por iniciativa da RAEM, mas também por fortes incentivos do governo central chinês — temos visto surgir espaços como a Zona de Cooperação Aprofundada Guangdong-Macau em Hengqin, o Centro de Comércio Internacional entre a China e os Países de Língua Portuguesa e o Centro de Cooperação e Intercâmbio de Ciência e Tecnologia entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Seguindo seus últimos planos quinquenais, a RAEM, classificada como “Uma Plataforma”, já está inserida também na Iniciativa Cinturão e Rota e nas demais iniciativas globais chinesas, que funcionam sob o guarda-chuva do conceito de comunidade de destino comum para a humanidade.
Mesmo assim, Macau não aparece sob nenhuma forma nem na “Declaração sobre a Formação Conjunta da Comunidade de Futuro Compartilhado Brasil-China por um Mundo Mais Justo e um Planeta Mais Sustentável” nem no “Plano de Cooperação para o Estabelecimento de Sinergias entre o Programa de Aceleração do Crescimento, o Plano Nova Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica, o Programa Rotas da Integração Sul-Americana e a Iniciativa Cinturão e Rota”, documentos lançados por ocasião da visita de Estado do presidente Xi Jinping ao Brasil em 20 de novembro de 2024 e que elevam a parceria estratégica sino-brasileira a um novo patamar. A RAEM tampouco está presente nos planos decenais de cooperação entre os dois países, em acordos amplos e de verdadeiro destaque assinados anteriormente ou em discursos e iniciativas bilaterais mais robustas.
Há várias justificativas possíveis para tentar explicar o aparente desinteresse do Brasil em Macau: negligência por conta de sua suposta marginalidade geográfica e de seu tamanho territorial; desconhecimento e falta de pesquisa aprofundada; economia ainda pouco diversificada e tradicionalmente dependente de cassinos e de turismo; o Brasil já teria uma relação profunda com a China, inclusive com canais de maior peso, como a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), e não precisaria engajar com a RAEM; além da preferência brasileira pela valorização da CPLP, em detrimento do Fórum Macau. Talvez esses posicionamentos fizessem algum sentido há algumas décadas. Não fazem mais.
A região é cada vez mais relevante em termos geopolíticos e geoeconômicos. A RAEM está caminhando para uma maior diversificação de sua economia, para um maior fortalecimento de suas instituições — desde universidades até espaços de cooperação — e para crescentes conexões com a Área da Grande Baía. A CPLP apresenta limitações que poderiam ser complementadas pelo Fórum Macau e por outros espaços que estão sendo desenvolvidos na região. A paradiplomacia ganha novos contornos diante de desafios que vão além de trocas interestatais e necessitam de contribuições ativas de cidades e regiões, e o Brasil e os demais PLPs poderiam beneficiar-se de uma aproximação mais dinâmica e aprofundada com a China, inclusive, expandindo os canais de cooperação e de concertação já existentes.
Macau e a Área da Grande Baía foram peças fundamentais na construção do Brasil que temos hoje, com o estabelecimento de acordos mercantis e de influências arquitetônicas e socioculturais desde o século XVIII, com a cultura do chá e as contribuições de macaenses ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro no século XIX e com o peso das missões comerciais às Feiras de Cantão para a aproximação diplomática no século XX. Ora, aqui vale trazer uma curiosidade: o Brasil tem até mesmo o seu município de Macau, localizado no estado do Rio Grande do Norte e que adota em sua bandeira a palavra “A-Ma-Ngao”. Embora a origem do nome do município seja disputada — com Luís da Câmara Cascudo defendendo a tese da transposição do nome da ex-colônia portuguesa, enquanto Getúlio Moura alega que o nome está ligado por homofonia às araras, referidas como “ara macao” ou “macaw” — o fato é que sua Câmara Legislativa determina oficialmente que “Macau é uma corruptela da palavra chinesa Ama-ngao, que significa abrigo ou porto de Ama, deusa dos navegantes”. [2] É, sem dúvida, um pedaço de história interessantíssimo.
Há, ainda, muito a se conhecer sobre os infinitos laços entre a China e os PLPs, e, especificamente, muito a se expandir na agenda e na interação entre a China e o Brasil. A RAEM pode ser uma ponte muito útil não só entre os dois países — inclusive para levar mais sociedades empresárias e investimentos brasileiros para a nação asiática, e não apenas o inverso — mas também entre o Brasil, Portugal e os demais países de língua portuguesa no recrudescimento da sua integração em rede e na sua construção estratégica com a China, em geral, e com a Área da Grande Baía, em específico. Além do Brasil, Portugal, claramente, deve ter papel central nesse direcionamento, seja na coordenação de políticas e na abertura de canais de diálogo, seja na troca comercial e financeira, seja na cooperação educacional, tecnológica e cultural, seja no intercâmbio de pessoas e no desenvolvimento sustentável.
O lugar de Macau nas relações entre a China, o Brasil, Portugal e a Lusofonia como um todo não se restringe, portanto, a suas conexões histórico-culturais. Pode-se até partir daí, porém o lugar de Macau é na mais vasta e complexa teia de relações e projetos que unem esses países, suas regiões e suas cidades. A RAEM merece, assim, maior destaque em suas políticas externas, seus esforços de cooperação e suas iniciativas conjuntas, tanto a nível estatal quanto subnacional.
Imagem de Manuela Müller Soares 苏觉浅
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本文是项目《Sinóptica 提纲》杂志的一部分。了解更多关于本项目和其他项目的信息在这里。
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