A China é o principal exportador mundial de bens, a principal potência manufatureira, o principal credor dos Estados Unidos e possui o segundo maior PIB nominal - o que, medindo com o índice PPP (Purchasing Power Parity) faz com que o PIB chinês seja considerado o maior por uma boa margem. [1] No livro “El Sueño Chino,” o autor Osvaldo Rosales levanta alguns índices ilustrativos: em 2005, a China construía o equivalente ao tamanho da superfície de Roma a cada 2 semanas; entre 2011 e 2013, a China usou mais cimento do que os Estados Unidos em todo o século XX; em 2011, uma empresa chinesa construiu um arranha-céu de 30 andares em 15 dias; [2] entre 2011 e 2015, a China construiu a maior rede de ferrovias de alta velocidade do mundo; e desde 2008, a cada 2 anos, o aumento do PIB da China se iguala ao PIB total da Índia. Como participação global, o valor agregado das manufaturas de alta tecnologia chinesas passou de 7% em 2003 para 27% em 2014.
Em um período de mais ou menos quarenta anos, a China conseguiu realizar um tremendo processo de redução da pobreza, chegando, em 2020, a tirar 800 milhões de pessoas da linha da extrema pobreza. O país realizou um imenso salto produtivo, gerando autossuficiência nas culturas básicas, como arroz, milho e trigo, a despeito de contar com uma das menores terras agricultáveis per capita do mundo. No mesmo sentido, têm alcançado autonomia e melhoramento tecnológico. Apesar do rápido processo de crescimento econômico, a China também tem enfrentado importantes desafios, como desigualdade de renda, corrupção e problemas ambientais, que exigem uma visão clara e unificadora para abordá-los e promover um desenvolvimento sustentável e uma estabilidade social duradoura.
O Sonho Chinês (中国梦 Zhongguo Meng) - divulgado em 2013 por Xi Jinping - é um projeto político nacional em torno da própria existência do país, uma promessa de modernização, desenvolvimento e renovação do prestígio chinês durante os séculos. O Sonho Chinês promovido por Xi recorre aos ideais de outros líderes chineses como Sun Yat-Sen, Mao Zedong e Deng Xiaoping.
Os últimos anos, conforme elucidado por Xi no 20º Congresso do Partido, marcariam o início de uma nova fase de construção de um país socialista modernizado, mencionando a necessidade de se estabelecer unidade em busca do Sonho Chinês. O presidente Xi implementou diversas estratégias para difundir e o consolidar na sociedade. Por meio de campanhas de propaganda e programas educacionais, buscou-se implementar os valores e princípios associados a esse sonho, com o objetivo de fortalecer a coesão social e a lealdade ao governo e ao Partido Comunista Chinês (PCCh). O propósito é criar um consenso e um sentido de identidade coletiva enraizados na visão de Xi de uma China próspera, poderosa, moderna e com um papel destacado no cenário internacional. [4]
Entender o Sonho Chinês requer entender o papel da China nos anos em que vigorava o Império do Meio, antes de sofrer sob a bota do imperialismo no, agora conhecido como, “Século das Humilhações” que ditou o fim do Império e uma Primeira República bastante agitada, terminando apenas com a fundação da República Popular da China (em 1949). A Primeira Guerra do Ópio (1839-1842) data o início desse período, em que o imperialismo ocidental e japonês na China foi particularmente flagrante. Dão-se ali as invasões territoriais, a obrigação de assinatura dos tratados desiguais, a queima do Palácio de Verão do Imperador, o pagamento de quantias absurdas para a Inglaterra como indenização pelo ópio perdido, o estabelecimento das tarifas de importação baixas, o domínio britânico que solidificou-se em Hong Kong, entre outros. É nesse seguimento que nasce as correntes de modernização chinesas, como resposta à dominação imperialista, tendo em seu cerne uma crítica ao capitalismo ocidental. Fortalecendo-se na tradição marxista, que vai gerar o próprio PCCh, finalmente instaura-se a República Popular da China com a vitória de Mao Zedong na guerra civil envolvendo os comunistas e os nacionalistas. Nesse sentido, o papel do PCCh e sua relação com a cultura tradicional do país desempenham um papel fundamental na promoção do Sonho Chinês, gerando um arcabouço normativo e institucional na República Popular.
É também nesse sentido que o legado histórico da China imperial ressoa de maneira interessante com o Sonho Chinês proposto por Xi Jinping. Este conceito busca restaurar a grandeza nacional e o papel central da China nos assuntos mundiais. Ao olharmos para trás nos séculos imperiais, observamos uma China que exercia uma influência poderosa no leste asiático e além, frequentemente considerada como o centro da civilização pelas próprias elites chinesas. Os líderes chineses daquela época eram recebidos com respeito e homenagem em visitas diplomáticas de outras nações da região, refletindo a importância e respeito que lhes eram atribuídos naquele momento. [5]
Num sentido mais amplo, a ideia de uma China como líder regional, influente e autossuficiente, que não apenas faz comércio com outros países, mas também estabelece relações baseadas em respeito mútuo e cooperação, está alinhada com a imagem da China no período imperial. A promoção de uma economia poderosa e moderna com avanço em setores tecnológicos, em paralelo com a forte capacidade de produção dos períodos imperiais torna-se assim um fator fulcral.
No entanto, é importante notar que esta comparação não deve ser simplista, visto que existem diferenças significativas entre a China imperial e a China contemporânea. O Sonho Chinês abarca aspectos políticos, sociais e culturais que não têm necessariamente paralelos na antiguidade. Mesmo assim, ao compreender como a história informa a visão contemporânea de liderança e desenvolvimento do país, podemos apreciar melhor como o Sonho Chinês tem suas raízes em uma narrativa mais ampla da identidade e interesses da China no cenário global.
Embora nas primeiras décadas do sistema comunista tendesse-se a rejeitar e suprimir a cultura tradicional chinesa, considerando-a como um vestígio da sociedade feudal e oposta aos ideais comunistas, ao longo do tempo o partido reconheceu seu valor como fonte de identidade nacional e a promoveu dentro dos limites ideológicos estabelecidos. [6] O confucionismo, em particular, tem sido encorajado como uma base ética e cultural para o desenvolvimento da China, enfatizando valores como harmonia, respeito à autoridade e busca do bem-estar coletivo. [7] No entanto, essa promoção cultural também tem gerado tensões e preocupações em relação aos direitos humanos e às liberdades individuais, pois alguns críticos argumentam que poderia limitar a liberdade de expressão e incentivar a conformidade em detrimento do pensamento crítico. Nesse sentido, o partido enfrenta o desafio de equilibrar os valores tradicionais com a modernização e a abertura na sociedade chinesa. [8]
Em termos de política externa, o Sonho Chinês teve um impacto significativo na diplomacia da China. A Iniciativa Cinturão e Rota é um exemplo proeminente dessa estratégia, que busca impulsionar a conectividade econômica e a cooperação com outros países ao longo das antigas rotas comerciais. Além disso, a diplomacia chinesa tem buscado fortalecer sua presença no cenário internacional, especialmente em regiões como o Mar do Sul da China e a região do Oceano Índico, onde tem se esforçado para reafirmar sua soberania e expandir sua presença militar.
As implicações de segurança do Sonho Chinês também são um aspecto importante a ser considerado. A China tem buscado fortalecer sua capacidade defensiva e expandir sua influência no campo da segurança regional e global. [9] Isso se manifestou no aumento dos gastos militares e na modernização de suas forças armadas, o que gerou tensões com outros atores regionais, elevando a incerteza quanto ao futuro da estabilidade e do equilíbrio de poder na região da Ásia-Pacífico. Além disso, a crescente dependência da China em recursos naturais e rotas comerciais estratégicas tem levado a uma maior ênfase na segurança marítima e energética.
A modernização (social, econômica, tecnológica e militar) aparece então como um elemento de continuidade na política doméstica e na política externa chinesa. O aspecto da modernização talvez seja o único elemento que não sofreu alteração nos governos desde a fundação da República Popular. Essa modernização, imbuída nos projetos de longo-prazo de desenvolvimento econômico e social são pré-requisitos para a existência do Império do Meio no sistema internacional. São condicionantes da atuação chinesa porque tanto para o povo quanto para o Partido, só há espaço para a China nas relações globais se o país for desenvolvido, forte e harmonioso. O conceito de Sonho Chinês é absolutamente inseparável das estratégias políticas e econômicas adotadas desde a fundação da República Popular da China. A sociedade harmoniosa, com seus papéis exercidos com maestria e o líder que entrega resultados - premissas básicas no entendimento confucionista para uma boa governança - através da sua visão de longo prazo são cláusulas obrigatórias para esse desenvolvimento.
The opinions expressed in this article do not reflect the institutional position of Observa China 观中国 and are the sole responsibility of the author.
Subscribe to the bi-weekly newsletter to know everything about those who think and analyze today's China.
© 2024 Observa China 观中国. All rights reserved. Privacy Policy & Terms and Conditions of Use.