Macau and the Greater Bay Area

Macau and the Greater Bay Area

Bridges for the Brazil-China-Portugal Connection

MARCH 7, 2024
Pedro Steenhagen

Em 2023, o Brasil e a República Popular da China celebraram o 30º aniversário do estabelecimento de sua parceria estratégica – a primeiríssima feita pelo país asiático com uma outra nação nesses moldes. Além disso, a China comemorou os 10 anos da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês) – um marco de alta importância para o presidente chinês, Xi Jinping, e os países que fazem parte dela.

Ambos os acontecimentos supramencionados foram amplamente divulgados e festejados ao longo do ano. Contudo, uma terceira data decisiva ficou de fora dos holofotes principais, ou, ao menos, não foi exaltada à altura que merecia, particularmente no Brasil: o 20º aniversário da fundação do Fórum para a Cooperação Econômica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, também conhecido, simplesmente, como Fórum Macau.

Em 2024, situação semelhante parece acontecer. Trata-se do ano em que se celebrará a marca de 75 anos da fundação da República Popular da China e o 50º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas entre este país e o Brasil. Na nação sul-americana, parece importar relativamente pouco o fato de que fazem 25 anos desde a retrocessão de Macau para a China. [1] Não deveria. Tanto em Portugal – onde se comemorou, no último 8 de fevereiro, 45 anos de relações diplomáticas com o país asiático – quanto na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) – considerada um modelo de sucesso do “um país, dois sistemas” – certamente, a data será muito bem lembrada. Indubitavelmente, fatores históricos e políticos explicam parcialmente isso, porém há também inúmeras razões atuais para que o Brasil engaje mais com a RAEM – e com a República Portuguesa – visando à dinamização do seu relacionamento com a China.

Ainda hoje, na RAEM, a arquitetura, a culinária e o direito, dentre outros, possuem profundas influências portuguesas, e o português é a língua oficial. Além disso, mais de 55 institutos de ensino superior da China continental e de Macau lecionam o idioma a mais de 6.300 estudantes, e esse número tem crescido constantemente de uns anos para cá. [2] Trata-se de uma oportunidade importante para os países de língua portuguesa e para a China, já que o português é uma das línguas mais faladas no mundo e agrega países emergentes com mais de 250 milhões de pessoas espalhadas por quatro continentes. Alguns desses países, como Brasil e Angola, estão situados no Atlântico Sul, região com rotas comerciais tradicionais e que têm tido crescente interesse geopolítico por parte dos Estados ali inseridos e de nações extrarregionais, inclusive, a China, tendo em vista, por exemplo, que a América Latina já foi considerada extensão natural da Rota da Seda Marítima do Século XXI.

De maneira similar, conforme é possível verificar nos últimos Planos Quinquenais, nos objetivos do centenário e em outros planos ou estratégias dos governos central e regionais da China, Guangdong, Hong Kong e Macau estão cada vez mais inseridos na BRI e nas iniciativas globais chinesas, como a Iniciativa de Desenvolvimento Global (GDI, na sigla em inglês). Essa realidade impulsiona sua internacionalização e sua abertura, inclusive, para interações diretas com outras cidades e regiões da China e, via mecanismos de paradiplomacia, de outros países ao redor do globo. Todavia, enquanto Portugal possui uma presença de peso em Macau – inclusive, no ensino do português – o Brasil tem preterido a localidade e sua potencialidade na sua relação com a China, a nível tanto estatal quanto subnacional.

Portugal possui aproximadamente 10 milhões de habitantes, e o Brasil tem pouco mais de 200 milhões. Ainda assim, segundo o Relatório de Emigração de Portugal, em 2022, havia 124.196 registros consulares em toda a China – 122.157 em Macau, 1.149 em Shanghai, 658 em Beijing e 232 em Guangdong – e, somente em Macau, havia 8.991 residentes com nacionalidade portuguesa, sendo 2.213 nascidos no país europeu, o que faz da comunidade portuguesa a quinta maior na região. Por sua vez, de acordo com relatório do Itamaraty sobre as comunidades brasileiras no exterior, em 2022, havia 222.053 (4,83% do total) brasileiros residindo na Ásia, mas apenas 5.940 na China – contra 206.990 no Japão – sendo que, em termos de registros consulares estimados, 3.000 estavam em Guangdong, 1.200 em Hong Kong, 940 em Shanghai e 800 em Beijing.

Apesar de ter uma população 20 vezes maior que aquela de Portugal, o Brasil tem menos nacionais vivendo em toda a China que o país europeu tem somente em Macau. É comum reconhecer que ainda há muito desconhecimento e desinformação sobre a China no Brasil, e esses números explicam parte da razão para tal cenário. Mudar essa realidade passa por valorizar, intensificar e qualificar os intercâmbios de pessoas entre os países, levando mais brasileiros à China (e vice-versa) por meio de oportunidades variadas.

É impressionante que, mesmo sendo o maior país de língua portuguesa do mundo, o Brasil tenha uma representatividade relativamente baixa na China, e isso é verdade também em termos institucionais, empresariais e de investimentos em – e difusão de – programas linguístico-culturais. Brasil e Portugal poderiam cooperar mais, em particular, nesta última área, com aquele país buscando a contribuição efetiva deste para uma melhor inserção, via parcerias e guanxi, na RAEM e na China como um todo, com destaque para a Área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. [3] Um maior intercâmbio de pessoas e uma melhor coordenação de políticas mostram-se verdadeiramente essenciais.

A falta de conhecimento sobre como ingressar na China e lidar com as diversas instâncias do governo chinês, os desafios regulatórios na nação asiática, o estabelecimento de uma rede de guanxi e a pouca mobilização estratégica para uma coordenação e um diálogo eficazes entre governo brasileiro, governo chinês e sociedades empresariais de ambos os países são obstáculos constantemente mencionados no ingresso de companhias brasileiras na China. [4] Não à toa, a China tem promovido iniciativas interessantes nesse quesito para além do tradicional Fórum Macau, como a criação da Zona de Cooperação Aprofundada Guangdong-Macau em Hengqin, o Centro de Cooperação e Intercâmbio de Ciência e Tecnologia entre a China e os Países de Língua Portuguesa, o Centro de Comércio Internacional entre a China e os Países de Língua Portuguesa e o Centro de Incubação de Negócios, operado pela Parafuturo de Macau – que, diga-se de passagem, assinou recentemente um acordo de cooperação com a brasileira Inova China Hub.

Por causa de Macau e de Portugal, o Brasil possui uma conexão histórico-cultural única com a China na América Latina e no continente americano como um todo, e esse laço singular entre as duas nações poderia – e deveria – ser mais aproveitado em outros campos da relação bilateral e multilateral, indo além do campo cultural relacionado à Lusofonia. Ora, como lembra Cátia Miriam Costa, o diretor do primeiro jornal da Ásia, intitulado “Abelha da China”, editado em 1822, era dirigido justamente por um luso-brasileiro, que, por sua vez, era representante da administração portuguesa de Macau. Curiosamente, em 1854, houve a criação de um distrito brasileiro, elevado à condição de cidade em 1875, chamado Macau, com o nome sendo uma referência direta à atual RAEM e uma “corruptela da palavra chinesa Ama-ngao, que significa abrigo ou porto de Amá, deusa dos navegantes”. [5] Há bagagem para retomar essa “triangulação sino-luso-brasileira”!

Nota-se que o Brasil pode aproveitar as pontes com a RAEM, mas sem se limitar a ela, aprofundando as trocas no âmbito da Área da Grande Baía em geral. Afinal, Brasil, Portugal e China, particularmente no tocante à Área da Grande Baía, têm muito a dialogar em diversas esferas, do turismo e da infraestrutura à tecnologia e à inovação. Assim como Lisboa e diversas cidades da Grande Baía, o Rio de Janeiro sente sua vocação para ser um centro inovador e visa a tornar-se uma cidade inteligente. Assim como Portugal e a China – Macau é uma força impressionante nesse quesito – o Brasil tem grandes capacidades e potencialidades turísticas. Assim como o restante do mundo, Brasil, China e Portugal ainda têm muito a investir em infraestrutura e em nova infraestrutura, inclusive, quando se leva em consideração todos os aspectos do desenvolvimento sustentável. Embora não haja espaço, aqui, para detalhar mais esses pontos, identifica-se que há, inevitavelmente, diversas conexões a se explorar entre esses três países, e muitas delas passam por Macau e a Área da Grande Baía.

Portugal tem uma relação histórica majoritariamente amigável e positiva com a China desde o século XVI e, hodiernamente, pode servir como uma voz relevante para o Brasil e para a China no âmbito europeu, especialmente diante de uma Europa que tem esfriado suas relações com a nação asiática. Ao mesmo tempo, o Brasil tem laços históricos e iniciativas de cooperação com Portugal em variadas áreas, podendo redinamizar esse relacionamento visando não só ao fortalecimento da parceria luso-brasileira em si, mas também ao desenvolvimento de interesses estratégicos comuns nas trocas com a parte chinesa.

Muito se fala na necessidade de se construir uma estratégia brasileira – e, vale mencionar, sul-americana – mais substancial para a China. Isso é necessário para estimular o relacionamento com o país asiático de forma mais proveitosa em outros campos além de comércio e investimentos e para melhorar as próprias deficiências existentes nas trocas comerciais e financeiras bilaterais, bem como para que se possa verificar oportunidades ainda não percebidas nessas duas esferas e em tantas outras.

Pois bem, essa construção estratégica não precisa de ser feita de forma isolada pela parte brasileira. Ao contrário, pode, deve e merece que seja desenvolvida a partir, também, de interações e trocas de experiências com parceiros próximos, dentre os quais Portugal e a própria China – e, importante dizer, os vizinhos sul-americanos – estão incluídos. A China tem muito a oferecer ao Brasil e a Portugal, o Brasil e Portugal têm muito a oferecer um ao outro e à China, e Macau e a Área da Grande Baía surgem como pontes auspiciosas para o robustecimento dos relacionamentos bilaterais e multilaterais entre as três nações nas próximas décadas.

Referências

  1. De acordo com Sousa et al., “retrocessão refere-se ao processo em que um enclave colonial, isto é, um território localizado dentro dos limites geográficos de um Estado, mas ocupado por outro Estado, volta a ser administrado pelo país contíguo”. Nesse caso, como a saída das forças colonizadoras não confere aos habitantes do enclave o direito à autodeterminação dos povos, trata-se de um processo diferente daquele de descolonização resultante em independência. Fernando de Sousa et al. Dicionário de Ciência Política e Relações Internacionais. (Coimbra: Edições Almedina, 2021). 554.

  2. Manuel Duarte João Pires. Português na China: Os números do ensino superior. Revista Thema 21, no 3 (2022): 602-614.

  3. Numa tradução mais literal, guanxi significa “conexões”, “relações” ou até mesmo, em alguns casos, “credenciais” de uma membresia ou filiação a alguma organização. Numa percepção mais ampla, refere-se não só à existência de um sistema de redes pessoais e profissionais, mas também a relacionamentos baseados em confiança e obrigações mútuas. Muitas vezes, a ideia do guanxi é comparada, no Ocidente, à noção de networking, e, de fato, guarda algumas semelhanças com esta; contudo, o guanxi é algo culturalmente bastante mais profundo, ligado a filosofias confucionistas e a conceitos como harmonia social, além de estar associado tanto aos ambientes familiar e social quanto aos campos político e empresarial.

  4. Cláudio Frischtak, André Soares. Empresas brasileiras na China: Presença e experiências. (Rio de Janeiro: Conselho Empresarial Brasil-China, 2012).

  5. A palavra “A-Ma-Ngao”, presente na bandeira do município, parece ser uma designação para “A-Ma-Gang”, possivelmente resultado, segundo Tang Kaijian, de uma adulteração da palavra original chinesa por parte dos portugueses, que, já no século XVI, escreviam também “Amaqauo”, “Amachao” ou “Maquao” para referir-se à região.

Edited by

Luana Margarete Geiger
Luana Geiger

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