Taiwan está neste momento a preparar-se para uma das eleições a chefe de governo mais disputadas da sua história, com um total de três candidatos a concorrer para uma posição com extrema importância no jogo geopolítico da Ásia-Pacifico. Marcadas para 13 de janeiro do próximo ano, as eleições na ilha com cerca de 23 milhões de habitantes são regularmente enquadradas como uma decisão entre campos opostos no que concerne às relações mais ou menos próximas com o Governo Central do Partido Comunista Chinês da China continental.
No entanto, as eleições em Taiwan, como em qualquer lugar do mundo com eleições dinâmicas, incluem uma miríade de fatores locais e de natureza mais mundana que muitas vezes pesam mais na consciência dos eleitores. Uma economia em desaceleração, um mercado imobiliário cada vez mais importante para a classe média e o estagnar do salário médio são questões prementes para a maioria dos eleitores taiwaneses para além do regular e mediático jogo de tensões entre Beijing e Washington na região.
As eleições de 2024 serão, antes de mais nada, um novo referendo ao Partido Democrático (DPP, na sua sigla em inglês), no poder desde 2016, e que foi já pesadamente castigado nas eleições regionais deste ano. Todavia, ao contrário de pleitos anteriores em que a escolha dos eleitores se reduzia principalmente entre os candidatos do DPP e do histórico Partido Nacionalista (KMT), as eleições do próximo ano têm a particularidade de incluir duas cartas de fora do baralho - Ko Wen-je e Terry Gou - dois controversos candidatos independentes que terão sem dúvida uma palavra a dizer na corrida.
Segundo as sondagens mais recentes, o candidato do DPP, o atual primeiro-ministro, William Lai, tem um caminho bastante tranquilo até à vitória, com o campo da oposição a dividir as preferências dos eleitores taiwaneses. As sondagens mais recentes do Taiwanese Public Opinion Foundation, Lai agrega a preferência de 30 por cento dos eleitores, com o candidato do KMT, Hou You-yi, em segundo, Ko Wen-je em terceiro e Terry Gou em quarto.
No entanto, num volte-face inesperado a 15 de novembro, Hou You-yi e Ko Wen-je pareciam ter chegado a um acordo para uma possível candidatura conjunta, após intervenção pessoal do anterior presidente Ma Ying-jeou. Após semanas de negociações falhadas, os dois candidatos estabeleceram que cada um dos partidos iria nomear um perito em estatística para examinar e avaliar as sondagens publicadas por vários meios de comunicação social e as sondagens internas dos partidos. Entretanto, apenas três dias depois o frágil acordo colapsaria, após divergências sobre como avaliar os dados que ajudariam a determinar quem seria o candidato principal.
Hou disse, a 21 de novembro, que esperaria por Ko Wen-je “até o último minuto” e propôs que cada partido nomeasse dois especialistas em estatística para reavaliar as nove pesquisas originalmente designadas no acordo KMT-TPP e transmitiu o processo, mas Ko rejeitou a proposta e viria depois a registar-se como candidato a solo. A 24 de novembro, Gou anunciou a sua retirada da corrida sem informar quem apoiaria na eleição. Mesmo com a desistência de Gou, segue agora uma breve descrição do histórico de cada candidato principal de uma das eleições mais importantes da região.
William Lai Ching-te
Se uma pessoa tiver em consideração as sondagens, o atual Vice-Chefe do Governo William Lai Ching-te, tem um caminho relativamente pacífico para uma eleição como o 7º Chefe do Governo de Taiwan, desde a morte do histórico Chiang Kai-shek. Nomeado como Vice após uma acesa disputa partidária, que viu a atual chefe de governo Tsai Ing-Wen assumir a candidatura do DPP nas eleições de 2016, Lai esperou pacientemente até ter a sua oportunidade.
Um médico de profissão que estudou saúde pública na Escola de Medicina de Harvard, Lai serviu como deputado, entre 1999 e 2010, e liderou a cidade de Tainan entre 2010 e 2017.
Como primeiro-ministro, Lai concentrou-se em reformas do sistema de saúde durante o seu mandato, e a sua opinião, no que toca à independência de Taiwan, tem mudado com o aproximar das eleições. Em 2017, descrevia-se como "sem dúvidas como um político que apoia a independência de Taiwan" e que "nunca mudaria esta postura, não importa o cargo que ocupe”. Lai diria mais tarde que a sua abordagem à independência de Taiwan é "pragmática" e que ele "tem uma afinidade para com a China tanto quanto ama Taiwan".
Em julho de 2023, Lai publicou o seu plano para “preservar a paz no Estreito de Taiwan” no Wall Street Journal, descrevendo como as suas principais prioridades seriam "pragmatismo e consistência” e a defesa do atual status quo. “Apoiarei o status quo através do estreito, pois isto é no melhor interesse tanto da República da China”, disse.
Ko Wen-je
Outro médico que se tornou político, Ko serviu como Presidente da Cidade de Taipei entre 2014 e 2016. Ko Wen-je ganhou tanto popularidade como detratores pelo seu estilo não convencional. Foco-se ainda em questões urbanas e esforços para reformar o governo da cidade durante o seu mandato como prefeito.
Durante a sua carreira como cirurgião, Ko estabeleceu a primeira equipa de transplante de órgãos e também os padrões para os procedimentos a serem usados em Taiwan. O médico renunciou ao cargo de chefe da força-tarefa de transplante de órgãos do Hospital Universitário Nacional de Taiwan em 2011, depois de um escândalo em que órgãos transplantados em cinco pacientes teriam sido infectados por HIV. O incidente aconteceu depois que um membro da sua equipa ter ouvido mal os resultados do teste do doador por telefone.
Apesar de ser um apoiante de longa data do ex-presidente Chen Shui-bian, do DPP, Ko tem procurado definir-se como um candidato independente e distante dos jogos de influência políticos locais, estabelecendo o Partido Popular de Taiwan (TPP na sua sigla em inglês), em 2019, como uma alternativa aos dois principais partidos históricos na ilha.
O partido centrista conseguiu eleger cinco deputados nas eleições legislativas de 2020, tornando-se o terceiro maior partido representado na legislatura, e a crescente popularidade de Ko como candidato cresceria a um ponto de ultrapassar as intenções de voto de Hou You-yi em 2023. Muito se tem falado de uma possível candidatura conjunta entre Ko e o candidato do KMT, Hou You-yi, no entanto detalhes, e a questão sensível de quem seria o primeiro nome no boletim de voto, colocou entraves à coligação.
Hou You-yi
Um polícia reformado que se tornaria membro ativo do Partido Nacionalista (KMT) apenas em 2013, Hou já ocupou vários cargos no governo, inclusive como Vice-Ministro do Interior.
Trabalhando com seu pai desde jovem, Hou geralmente estava ocupado ajudando a administrar uma barraca de carne de porco em um mercado local ou capturando e matando porcos nas áreas ao redor de sua cidade natal, Puzi, no condado de Chiayi. Ele veio mais tarde a indicar que a estratégia para capturar porcos o ajudou a prender suspeitos.
Como político, Hou ganhou notoriedade em Taiwan pelo seu trabalho na liderança do distrito suburbano de Nova Taipei, mas, depois de uma batalha interna difícil com Terry Gou, pela candidatura à presidência pelo KMT, Hou tem tido dificuldades em ganhar momentum contra os seus principais opositores. O candidato pensou que poderia repetir o seu sucesso nas eleições locais, definindo-se como um candidato do centro e apelando aos eleitores independentes, capitalizando também os eleitores de base do KMT para o apoiarem na campanha. No entanto, a forma como lidou com um escândalo de envenenamento num jardim de infância, em Nova Taipei, e declarações erráticas sobre as suas posições, no que respeita à economia local e a relações com a China, parecem ter afastado muitos eleitores. Estes próximos do DPP veem-no como estando demasiado próximo da posição oficial do KMT de relações mais próximas com a China.
Ao mesmo tempo, a base do KMT, composta por eleitores mais velhos nascidos no Continente pré-1949, e as suas famílias e descendentes, veem Hou, nascido e criado na ilha, com suspeição. Curiosamente, Hou propôs, por exemplo, transformar a ilha de Kinmen - uma ilha sob administração do governo taiwanês apenas a 10 km do Continente - numa zona piloto económica transfronteiriça que ligasse os dois lados do Estreito de Taiwan e num centro de transporte para facilitar o intercâmbio pacífico entre Taiwan e a China continental.
A certa altura, Hou afirmou o seu apoio a uma versão do "consenso de 1992" - um entendimento alcançado em uma reunião em 1992 entre o então governante KMT de Taiwan e Beijing, de que ambos os lados reconhecem que existe apenas "uma China" - em conformidade com a Constituição da República Popular da China. Hou viria depois dizer ser contra a interpretação do consenso como "um país, dois sistemas", o sistema usado nas regiões especiais administrativas de Macau e Hong Kong, e que Beijing tem sugerido como um possível opção para a integração pacífica da ilha no país.
Terry Gou
Um proeminente empresário bilionário taiwanês e fundador da Foxconn, uma das maiores empresas de componentes eletrônicos do mundo, Gou tem sido várias vezes descrito como o Donald Trump de Taiwan pela sua carreira empresarial e estilo populista. Como sexto homem mais rico de Taiwan segundo a Forbes, Gou deixou o cargo de presidente da Foxconn em junho de 2019, após 45 anos no comando, para se dedicar à política, mas permaneceu na empresa como diretor.
Gou concorreu à nomeação presidencial do KMT em 2020, mas acabou desistindo da disputa e tem sido uma pedra na engrenagem do partido, com constantes críticas à sua liderança e métodos de eleição interna.
Mais recentemente, o empresário acabou mesmo por renunciar à sua posição no conselho de administração da empresa em setembro deste ano, após anunciar uma nova candidatura à presidência. Ainda assim, mantém-se como um dos principais acionistas de uma empresa com investimentos maciços na China continental.
Desde então, Gou afirmou estar disposto a “sacrificar” os seus bens pessoais na China continental no caso de um ataque chinês. “Nunca estive sob o controlo da República Popular da China (…) Eu não sigo as instruções deles”, o empresário disse na altura. Pouco depois da sua candidatura, foi reportado que as autoridades fiscais chinesas começaram uma auditoria às principais subsidiárias da Foxconn nas províncias de Guangdong e Jiangsu, e que o ministério dos recursos naturais do país teria também investigado o uso de terras pela empresa nas províncias de Henan e Hubei.
Gou tentou ainda mediar conversações entre o KMT e o TPP para concorrerem juntos contra o DPP, mas esses esforços implodiram e pouco depois o empresário anunciou a sua retirada da corrida.
Com os três candidatos principais já registados oficialmente, pouco depois veio o anúncio das propostas de candidatos a vice-presidente, mas tendo em conta os desenvolvimentos até agora, é expectável mais voltas inesperadas até 13 de janeiro do próximo ano. Uma coisa é certa, os olhos do mundo vão continuar colocados num dos processos eleitorais mais consequentes da região da Ásia-Pacífico.
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