Em seu discurso de posse, o Presidente Lula ressaltou a importância de recuperar a presença internacional do Brasil - promessa que ele começa a cumprir, logo, em seus primeiros meses de presidência. Seja pelo envio de representantes à diversos outros países, como a visita de Mauro Vieira, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, à Croácia, ao México e ao Paraguai; pelo recebimento de visitas ao Brasil, como do Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov; e por visitas do próprio Presidente aos Estados Unidos, Emirados Árabes, Portugal, Argentina, Uruguai e China. O objetivo destas visitas é reverter o desprestígio acumulado ao longo dos últimos anos no campo das Relações Exteriores. Como declarou Mauro Vieira, busca-se superar o isolamento e dar início a um ciclo de reconstrução.
O Brasil, desde o início dos anos 2000, ainda durante o governo Fernando Henrique Cardoso, cultivava uma imagem internacional de país pacífico, participativo e confiável¹. Imagem que favoreceu a abordagem de política externa “altiva e ativa” de Celso Amorim, quando foi Ministro das Relações Exteriores, durante os primeiros governos Lula. Essa política buscava mostrar de forma mais ativa o perfil independente da política externa brasileira, e tinha como objetivo reforçar o papel do país como um player internacional.
Historicamente, o Brasil busca estabelecer o seu próprio perfil de política externa sem alinhamentos automáticos às grandes potências desde a década de 1960, aquando do lançamento da Política Externa Independente (PEI). Este posicionamento foi evidenciado durante o governo Geisel, quando o Brasil reconheceu a República Popular da China antes mesmo de os Estados Unidos o fazerem. A forma como esta autonomia é cultivada nos governos Lula tem como foco a diversificação que traduz-se em ampliar os países com os quais o Brasil mantém, não só, relações diplomáticas, mas também, fluxo comercial. Esta direção auxilia o Brasil a depender menos de investimentos e comércio provenientes, em grande medida, do mundo desenvolvido.
Em 2004, pouco mais de um ano após assumir a presidência em seu primeiro mandato, Lula viajou à China com um grupo de quatrocentos empresários brasileiros. O relacionamento bilateral já era cordial e, de acordo com Clodoaldo Hugueney, embaixador brasileiro em Beijing na época, o gesto chamou a atenção dos chineses, que passaram a ensaiar maiores aproximações. Não foram fechados muitos acordos naquela visita, mas, o tamanho da comitiva capitaneada pelo próprio presidente, demonstrou a importância atribuída pelo Brasil à construção de relações mais próximas. Nos anos seguintes, o comércio chinês com o Brasil aumentou substancialmente, elevando a China ao patamar de principal parceiro comercial brasileiro².
A visita realizada em abril de 2023, foi a terceira visita oficial de Lula à China, e busca, mais uma vez, apresentar o Brasil como ator sério e aberto a negociações³. Após anos de uma política externa inercial do governo Dilma, outra de transição com o governo Temer, e a última de disrupção com Bolsonaro, o governo Lula busca recuperar a credibilidade internacional e a posição de um dos líderes dos países em desenvolvimento - plano cultivado desde os seus primeiros mandatos.
Nesta visita, Lula foi acompanhado de deputados, senadores, empresários, e de grandes expectativas. A agenda original compreendia a assinatura de cerca de trinta acordos - número que, a pedido do governo chinês, foi reduzido para quinze - abordando desde o estreitamento comercial e a promoção de investimentos, até parcerias para produções televisivas conjuntas, além de outros acordos fechados com empresas brasileiras como JBS, Seara e Friboi.
As relações sino-brasileiras são, assim, marcadas pelo pragmatismo, ou seja, evitam pautas sensíveis envolvendo assuntos considerados internos pela China e questões de segurança internacional, como aquelas relativas a Taiwan ou ao Mar do Sul da China. Apesar da existência de acordos de cunho cultural - importantes para a promoção dos laços em todos os níveis - as relações entre o Brasil e a China estão concentradas nas esferas econômica e tecnológica. O Brasil espera atrair investimentos para fomentar o crescimento industrial e tecnológico, principalmente na área de desenvolvimento sustentável. A China, por sua vez, carece de recursos primários, encontrados em abundância no Brasil. Interessa observar que a abordagem adotada pela administração Lula supera a utilização das commodities como simples mercadorias de transação comercial, empregando-as como forma de atrair a atenção e convidar a China a participar de forma mais construtiva no relacionamento bilateral, de forma a diminuir os graus de assimetria.
Apontando para a nova realidade no cenário internacional, de tendências crescentemente multipolares, e também levando em conta a situação político-econômica doméstica do Brasil - que diferem do contexto durante os primeiros mandatos do governo Lula na primeira década dos anos 2000 - parte da comunidade internacional questionou a ingenuidade das aspirações da visita4. No entanto, a retomada da diplomacia presidencial pode ser vista como um dos indicadores da existência de um projeto mais amplo para o relacionamento com a China: ultrapassar as trocas comerciais, possibilitando maior equilíbrio nas interações e representando mais assertivamente os interesses nacionais brasileiros. Relações mais aprofundadas com a China não são um fim, mas, um meio para a construção da posição brasileira de líder do sul global.
Tullo Vigevani, Marcelo F. de Oliveira, Rodrigo Cintra, “Política externa no período FHC: a busca de autonomia pela integração,” Tempo Social - USP 2, no. 15 (2003): 31-61, https://www.scielo.br/j/ts/a/mvGDVSGydQkVyxxCSjxyQ9f/abstract/?lang=pt
Ana Carolina Silva e Bruna Eduarda Frutuoso, “A relação bilateral Brasil-China no governo Lula – 2003 a 2011,” Relações Exteriores, Outubro 3, 2021, https://relacoesexteriores.com.br/relacao-bilateral-brasil-china/.
Clodoaldo Hugueney Filho, “O Brasil em Crises Internacionais,” Entrevista por Oliver Stuenkel e Kelly de Souza Ferreira, CPDOC FGV, Novembro 11, 2014, https://www18.fgv.br/cpdoc/acervo/historia-oral/entrevista-tematica/clodoaldo-hugueney-filho
“Brazil’s foreign policy is hyperactive, ambitious and naive,” The Economist, Abril 10, 2023.
Imagem: Ricardo Stuckert/Agência Senado
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