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经济联盟、文化挑战和未来前景

经济联盟、文化挑战和未来前景

在中国与葡语之间

《Sinóptica 提纲》杂志

2024年12月19日
Anabela Rodrigues Santiago

A relação entre a China e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) tem-se consolidado como uma parceria de crescente importância no cenário internacional, envolvendo desde aspetos económicos e comerciais até intercâmbios culturais e educativos. O compromisso da China com a CPLP, que reúne nações de África (Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe), América do Sul (Brasil), Ásia (Timor-Leste) e Europa (Portugal), revela uma estratégia sofisticada que visa a fortalecer a sua presença em regiões estratégicas do globo, ao mesmo tempo que utiliza o idioma português como um canal de comunicação e cooperação. Embora acompanhada de desafios estruturais e geopolíticos que precisam ser abordados para que essa parceria seja realmente benéfica e equilibrada, ela tem um enorme potencial que se alimenta dos laços históricos entre a China e a CPLP, beneficiando-se igualmente de um fator muito relevante: Macau como elo cultural entre o Oriente e o Ocidente.

Historicamente, a relação entre a China e a Lusofonia remonta ao século XVI, quando comerciantes e missionários portugueses estabeleceram-se em Macau, criando um importante centro de trocas culturais e mercantis. Durante quase quatro séculos de presença portuguesa, Macau foi um ponto de convergência entre o Ocidente e o Oriente, funcionando como um elo simbólico e prático entre a China e os países lusófonos onde culturas, idiomas e tradições se mesclavam, facilitando um ambiente de convivência e entendimento mútuo. [1] Com a retrocessão de Macau à China em 1999, foi formalizada a transição para um novo modelo de cooperação que — ainda que centrado em objetivos económicos — não negligencia o valor do intercâmbio cultural. [2]

A influência chinesa na CPLP — que inclui países de diversos continentes — evoluiu desde então em vários domínios. A criação do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum Macau), em 2003, e com sede em Macau, é um exemplo do empenho chinês em fortalecer essa relação. O fórum reúne-se a cada três anos e estabelece uma plataforma para o diálogo multilateral, promovendo o comércio, o investimento e a cooperação em áreas como infraestruturas, energia e saúde. [3] Até setembro de 2024, o comércio bilateral entre a China e os países da CPLP alcançou quase 175 bilhões de dólares, demonstrando a profundidade e a importância económica dessa parceria para ambas as partes.

Para além do campo económico, do ponto de vista geopolítico, a China pauta as suas relações externas por princípios de coexistência pacífica — oriundos dos Princípios da Conferência de Bandung — e por soluções de ganhos mútuos (win-win solutions), procurando, em última instância, contribuir largamente para a criação da “Comunidade de Futuro Compartilhado para a Humanidade”, um lema do país para a nova era liderada por Xi Jinping. [4] Para tal abordagem na sua política externa, muito contribuem, por um lado, a Iniciativa Cinturão e Rota, ou Belt and Road Initiative (BRI), e, por outro lado, a diplomacia cultural e o soft power, que se constituem como componentes importantes da estratégia chinesa nos países da CPLP. [5]

A BRI é uma estratégia global de desenvolvimento e infraestrutura proposta pela China em 2013. Inspirada na antiga Rota da Seda, a BRI procura conectar a China a países da Ásia, Europa, África e além, por meio de um complexo sistema de rotas comerciais, infraestrutura, portos, ferrovias e oleodutos. Ao fortalecer essas conexões, a China promove o socialismo de mercado “com características chinesas”, um sistema económico onde o governo desempenha um papel central na economia e orienta a direção dos investimentos. No entanto, essa abordagem contrasta diretamente com os princípios da União Europeia (UE), um bloco de economias de mercado que se fundamenta em valores como democracia e Estado de direito, o que fomenta o conceito de rivalidade sistémica. [6] De facto, esse contraste é maioritariamente provindo de diferenças de base em determinadas aceções conceptuais. Como elucida Zhongqi Pan, o fosso conceptual entre a China e a Europa é significativo e gira em torno de interpretações diferentes de conceitos políticos fundamentais, incluindo a soberania. [7] A China defende uma visão tradicional da soberania, que dá ênfase à não interferência, à integridade territorial e à independência nacional, enraizada nas suas experiências históricas. Em contrapartida, a Europa, moldada por processos como a integração na UE, interpreta frequentemente a soberania como relativa e condicional, centrando-se em responsabilidades como a proteção dos direitos humanos e a promoção da cooperação internacional. Essas diferenças têm impacto nas relações sino-europeias, em especial em domínios como os direitos humanos, as disputas territoriais e a governança global, conduzindo por vezes a tensões e mal-entendidos, mas oferecendo também oportunidades de acomodação mútua.

Essa rivalidade sistémica é particularmente evidente nas políticas industriais e tecnológicas. A UE vê na China um competidor que a desafia não só economicamente, mas também em termos de valores e governança. Com isso, a UE passou a adotar medidas defensivas para proteger setores estratégicos e mitigar os riscos associados a uma crescente dependência da China. Nesse contexto, emergem os conceitos de decoupling e derisking como estratégias de resposta da Europa e de outras potências ocidentais para lidar com os impactos da BRI e com a influência económica chinesa em setores cruciais. O decoupling representa uma estratégia na qual a UE e outros parceiros tentam reconfigurar suas cadeias de abastecimento e diminuir a sua interdependência com a China, especialmente em setores de alta tecnologia, como a indústria de semicondutores e inteligência artificial, onde a China se tem mostrado competitiva. Embora o decoupling seja desafiador devido à complexa interligação das cadeias globais de produção, ele reflete uma tentativa de reduzir vulnerabilidades e proteger a autonomia económica. Por outro lado, o derisking é uma abordagem mais equilibrada, que procura minimizar os riscos ao diversificar fornecedores e fortalecer setores internos estratégicos. Nesse caso, a UE visa a proteger-se contra choques económicos e riscos geopolíticos associados ao aumento de influência da China sem perder completamente os benefícios do comércio bilateral.

Em conjunto, a BRI, a rivalidade sistémica e as estratégias de decoupling e derisking revelam o panorama de competição e precaução que caracteriza as relações internacionais atuais entre a China e o Ocidente, nomeadamente com países da UE e com os Estados Unidos da América (EUA). Esses movimentos revelam uma economia internacional em transição, onde as potências buscam adaptar-se às novas realidades de interdependência, competição e resiliência estratégica, o que se nota igualmente na CPLP, na qual se verifica uma preocupação crescente com a soberania dos países lusófonos, especialmente os africanos, que se têm tornado altamente dependentes dos investimentos chineses. [8] No entanto, a capacidade da China de oferecer investimentos massivos em prazos curtos e com condições menos rigorosas tem feito com que países como Angola e Moçambique se voltem cada vez mais para o gigante asiático. Isso coloca os países lusófonos numa posição delicada, em que precisam equilibrar suas relações com a China e com determinados blocos ocidentais como a UE e os EUA, evitando alinharem-se demasiadamente com uma potência em detrimento de outra.

Outro desafio importante refere-se ao impacto ambiental e social das atividades chinesas nos países lusófonos. Na África, especialmente, a exploração de recursos naturais e a construção de grandes obras de infraestrutura frequentemente envolvem a desapropriação de terras, a alteração de ecossistemas e, em alguns casos, a violação dos direitos das comunidades locais. [9] Em Moçambique, projetos de mineração e extração de gás natural liderados por empresas chinesas têm gerado protestos de comunidades locais, que alegam desrespeito a direitos ambientais e sociais. No Brasil, os impactos ambientais da expansão agrícola, impulsionada pela demanda chinesa por soja e carne, são igualmente problemáticos, contribuindo para o desmatamento da Amazónia e de outros biomas essenciais.

Pese embora as vicissitudes acima expostas, a China reconhece que o fortalecimento das relações diplomáticas e comerciais exige uma compreensão cultural mútua, e, portanto, investe significativamente na promoção da língua e cultura chinesas. Institutos Confúcio foram estabelecidos em universidades de países lusófonos, como o Brasil e Portugal, oferecendo cursos de mandarim e promovendo atividades culturais. [10] Em contrapartida, a língua portuguesa tem recebido destaque na China, especialmente nas regiões mais próximas de Macau. Instituições de ensino superior chinesas oferecem cursos de português, e o país tem financiado bolsas de estudo para que estudantes chineses possam estudar em universidades lusófonas. Essa promoção mútua dos idiomas serve para facilitar as comunicações comerciais e criar um canal direto de interação diplomática, mitigando barreiras linguísticas e culturais que poderiam prejudicar o desenvolvimento da parceria.

Outro exemplo de instrumento no sentido de reforçar a cooperação é o caso do Fórum para a Cooperação África-China (FOCAC), que é uma plataforma diplomática multilateral estabelecida em 2000, destinada a fortalecer as relações económicas, políticas e sociais entre a China e os países africanos. [11] Esse fórum tem-se destacado como um dos principais mecanismos de cooperação entre a China e o continente africano, promovendo a implementação de projetos de infraestrutura, desenvolvimento sustentável e apoio técnico que visam a impulsionar o crescimento económico regional. A importância do FOCAC reside na sua capacidade de canalizar investimentos significativos para setores cruciais em África, como energia, transporte, saúde e educação, além de facilitar a transferência de tecnologia e a formação de recursos humanos. Através desse fórum, a China e os países africanos têm estabelecido um compromisso com o desenvolvimento mútuo, onde a China amplia sua influência e acesso a mercados e recursos naturais, enquanto os países africanos obtêm capital, conhecimento técnico e oportunidades de desenvolvimento que podem acelerar seu progresso económico e social. A relevância do FOCAC é evidenciada pela periodicidade das suas cúpulas, que reúnem líderes e representantes das duas partes para revisitar e renovar os compromissos assumidos, adaptando a cooperação aos desafios e às necessidades atuais. [12]

Para que a relação entre a China e os países lusófonos prospere de forma equilibrada e sustentável, é essencial que ambos os lados estejam comprometidos com práticas que respeitem a soberania nacional, a justiça social e a preservação ambiental. A CPLP pode desempenhar um papel crucial na formulação de diretrizes que orientem os investimentos chineses, assegurando que eles estejam alinhados com os interesses de longo prazo das comunidades locais e promovendo uma abordagem de desenvolvimento sustentável. Também Macau — sobretudo através do Fórum Macau — pode constituir-se como um hub de intercâmbios nomeadamente ligando os quatro continentes envolvidos na CPLP (Europa, nomeadamente Portugal; África, em países como Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné-Bissau; América Latina, o Brasil; e a Ásia fazendo a ligação com a China Continental).

Em suma, as relações diplomáticas entre a China e a Lusofonia representam uma oportunidade sem precedentes para o desenvolvimento económico e cultural dos países lusófonos e para a consolidação do papel da China como potência global. Contudo, para que essa relação seja realmente benéfica e equilibrada, é essencial que ambas as partes mantenham um diálogo aberto e uma visão estratégica que inclua não apenas interesses económicos, mas também valores sociais, ambientais e culturais. A construção de uma parceria justa e sustentável depende de políticas que protejam a autonomia dos países lusófonos, bem como da própria China e demais países asiáticos, e promovam um desenvolvimento que vá além do crescimento económico, aplicando estratégias de boa governança e sustentabilidade e abarcando o bem-estar e a identidade cultural de cada nação envolvida, elementos que podem e devem convergir para a criação da “Comunidade de Futuro Compartilhado para a Humanidade”.

Referências

  1. Carmen Mendes, “Macau in China 's Relations with the Lusophone World” Revista Brasileira de Política Internacional 57 (2014): 225–242.
  2. Mendes, “Macau in China's Relations with the Lusophone World.”
  3. Pedro dos Santos, “The Role of Forum Macao in the People's Republic of China Foreign Policy,” em Portugal and the Lusophone World, eds. Paulo Duarte, Rui Albuquerque e António Tavares (Singapore: Palgrave Macmillan, 2023).
  4. Desde 2013, o presidente chinês, Xi Jinping, e altos funcionários do governo têm mencionado a proposta chinesa de construir uma comunidade de futuro partilhado para a humanidade em várias ocasiões. Em 18 de janeiro de 2017, Xi Jinping proferiu um discurso na sede das Nações Unidas Genebra intitulado “Trabalhar em conjunto para construir uma comunidade de futuro partilhado para a Humanidade”, que constituiu uma elaboração alargada, sistemática e abrangente da proposta. Trata-se de um novo conceito que o governo chinês adotou no sentido de construir um novo quadro de relações internacionais e promover ou melhorar a governança global, insistindo em relações de ganhos mútuos e desenvolvimento conjunto. Jun Ding e Hongjin Chen, “China’s Proposition to Build a Community of Shared Future for Mankind and the Middle East Governance,” Asian Journal of Middle Eastern and Islamic Studies 11, no 4 (2017): 1-14.
  5. Lingming Kong, Exploring China's Soft Power: Manifestations of the Chinese Dream in Contemporary Practices of Cultural Diplomacy (Dissertação de Doutoramento, University of York, 2019).
  6. Carlos Rodrigues, “Portugal, Nova Rota da Seda e Rivalidade Sistémica: contradições e dilemas,” Rotas a Oriente — Revista de Estudos sino-portugueses 1 (2021).
  7. Zhongqi Pan (2012). “Introduction: Exploring the conceptual gaps in China-EU relations,” em Conceptual Gaps in China-EU Relations (London: Palgrave Macmillan UK, 2012), 1-15; Zhongqi Pan, “Managing the conceptual gap on sovereignty in China–EU relations. Asia Europe Journal 8 no 2 (2010) 227–243.
  8. Ayolsé dos Santos e Etiene Marroni, “Cooperação entre a República Popular da China e os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP): um debate a partir de São Tomé e Príncipe,” Espaço e Economia 27 (2024); Rui Pereira, “China e África: Uma parceria de cooperação estratégica ou uma (progressiva) relação de dependência? A problemática da dívida africana,” Relações Internacionais 65 (2020): 13–25; Chris Alden e Lu Jiang, “Brave New World: Debt, industrialization and security in China–Africa relations,” International Affairs 95 no 3 (2019): 641–657.
  9. Mariana Barbieri e Leila Ferreira, “China e Governança Ambiental Global: desafios rumo à liderança,” Papel Político 24 no 2 (2019): 1-20.
  10. Shao-Cheng Sun, “Confucius Institutes: China’s cultural soft power strategy,” Journal of Culture and Values in Education 6 no 1 (2023): 52–68.
  11. Teshome Chanaka, “China–Africa Cooperation: A Model for South–South Cooperation,” em China and the World in a Changing Context. China and Globalization, eds Huiyao Wang, Lu Miao (Singapore: Springer, 2022).
  12. Kenneth King, “China–Africa Education Cooperation: From FOCAC to Belt and Road,” ECNU Review of Education 3 no 2 (2019): 221-234.

Foto de Larissa Mondego Furtado

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Pedro Steenhagen
Pedro Steenhagen

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